terça-feira, 9 de novembro de 2010

COMPANHEIRA DE JORNADA

Companheira de Jornada - Parkinson
I-  Prefácio

Fui diagnosticado como portador de Doença de Parkinson no dia 8 de dezembro de 1989, ou seja, há mais de 20 anos.
Minha intenção é retratar como estou, atualmente, e, para isso, preciso referir-me, também,  à minha vida  antes de a doença se manifestar.
A vida é movimento. Vem daí por que a Doença de Parkinson (DP) incomoda tanto: ela é um “distúrbio do movimento”. Ela nada mais é que uma carência de dopamina, uma substância que propicia a ligação entre as várias regiões do cérebro que controlam os movimentos. Em consequência, alguns movimentos ficam instáveis ou lentos.
Como, em mais de vinte anos com a DP, permaneço ativo, independente e participativo, resolvi colocar minha vivência no papel, no intuito de ajudar outros portadores.
Espero que você, leitor, sendo portador, tire proveito de minha experiência.


Companheira de Jornada - Parkinson
II-  Antecedentes

Tive uma infância atribulada.
Nasci em Taubaté, no interior de São Paulo, mas passei a infância e a adolescência em Tremembé, cidade vizinha que, à época, era um misto de ambiente rural e urbano.
Morava em uma chácara com meus pais e minhas cinco irmãs.  Havia frutas diversas, verduras, porcos, vacas, cavalos, cachorro, gato, galinhas, coelhos e até gambá.
Gostava E participava da lida diária, levantando cedo para tirar o leite de duas vacas que davam mais de trinta litros em duas tiradas – uma de manhã e outra à tarde.
No entanto, era arteiro, também. Aprendi a nadar na enchente da várzea. No início, seguia meus amigos, segurando um tronco de bananeira. Depois que aprendi, ia a nado. Nadava, também, no rio Paraíba.
Um dia, estávamos na margem, quando ouvimos alguém berrando por socorro. Entramos na água e fomos para lá. Era um sujeito grandão, bem maior do que nós. Estava com câimbra e precisava ser rebocado. Foi só um de nós se aproximar, e ele se agarrou. Foi preciso ir ao fundo, para que ele largasse. Resolvemos que era necessário nocauteá-lo e começamos a socá-lo. Mas ele não cooperava. Não desmaiava.
Foi, então, que avistei um tronco de bananeira vindo em nossa direção. Pegamos o tronco e o levamos até ele que, a essa altura, não sabia se ficava agradecido ou furioso. Assim, fomos levando o sujeito até próximo à margem e nos mandamos – por via das dúvidas.
Por esse tempo, consegui meu primeiro emprego: entregador de leite.  Começava a entrega às sete horas, trabalhando até o meio dia, fizesse sol ou chuva. Quando chovia, continuava como se não houvesse nada. E nunca sequer fiquei resfriado.
Montei, com o auxilio de dois outros amigos, uma academia de ginástica improvisada. Essa prática aumentou bastante minha força. Havia um peso de quarenta e dois quilos que eu levantava com apenas um braço.
Foi, então, que prestei exame para ingressar na Escola Preparatória de Cadetes do Ar (EPCAR) e passei.
Em consequência, fui dispensado de servir o Exército e segui para Barbacena onde pretendia fazer o serviço militar e voltar para Tremembé. Queria ser fazendeiro, mas meu pai vendeu a fazenda.  Decidi, então, estudar, pois precisava de uma profissão. A ideia de vir a ser piloto militar me agradava.
Passei dois anos na EPCAR, e segui para a Escola de Aeronáutica, no Rio de Janeiro  -RJ. De lá, fui para a Academia da Força Aérea (AFA), em Pirassununga - SP, onde me formei Oficial Aviador.
A seguir, fui classificado em Canoas – RS, para estágio de piloto de ataque.
Lá conheci e casei com Maria Laura que hoje é, também, minha cuidadora.
Tive um acidente grave, pilotando um NA-T6, em que não  me machuquei, porém, devido a uma série de encontros e desencontros, deram-me por morto, inclusive comprando um  caixão para mim. Para quem quiser ler toda a história, e outras mais, basta solicitar-me o envio de meu livro “O Rabo do Macaco e Outras Histórias”, por e-mail (parkinsonbsb@gmail.com). O preço é de R$ 20,00, a serem pagos após o recebimento.
De Canoas, fomos para Belém – PA, onde passamos oito anos. Lá eu pilotei aviões de ataque, de ligação e observação, e helicópteros. A maior missão que participei, por essa época, foi a do RADAM, que consistia em realizar um levantamento da Amazônia quanto ao potencial vegetal, mineral e da composição do solo.
Por essa época, fiz uma viagem ao Amapá quando, andando pela pradaria, “peguei” uma penca de micuins, um carrapato muito pequeno, difícil de eliminar. “Inteligentemente”, criei um método infalível para me livrar desses insetos: coloquei a roupa para ferver e passei detefon pelo corpo.
Como o detefon é uma substância altamente tóxica, esse episódio pode  ter sido um fator contribuinte para minha DP.
De Belém fomos para Brasília, onde pilotei HS e Xingu, aeronaves de transporte VIP. Dois anos depois fomos para o Rio a fim de realizar um dos cursos da carreira.
Após o curso fui, novamente, classificado em Brasília, de onde sai para realizar o curso de Política e Estratégia Aeroespaciais. Esse curso foi muito interessante: passávamos os dias num pequeno auditório, por onde desfilavam ministros de estado, governadores, políticos e outras autoridades, cada um falando de sua área de atuação. Com os dados levantados, fazíamos a avaliação da conjuntura, para o planejamento anual do Ministério da Aeronáutica (didático).
De volta a Brasília, fui designado Adido Aeronáutico no Uruguai, para onde seguimos Maria Laura, eu e, posteriormente, meu filho Sérgio.
No regresso, já com trinta e quatro anos de serviço ativo, pedi a reserva e nos instalamos em Brasília – Maria Laura, Sérgio e eu. Ambos são psicólogos e têm clientela em Brasília.
Meu filho Cláudio permaneceu em São Paulo, onde é professor em uma escola suíça, e tem um filho, nosso neto, que está hoje com quatro anos. Em Brasília, temos uma neta por adoção, que está com três anos. Paparicamos ambos. Afinal, os pais educam, e os avós deseducam, não é?



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III-  Diagnostico

Olhando para o passado, é fácil identificar os sinais e sintomas da DP. Os primeiros sinais são tão sutis que o portador e as pessoas que convivem com ele, no dia-a-dia, não se dão conta. Muitas vezes um amigo ou conhecido mais afastado é quem repara e faz observações do tipo: “Você balança mais o braço esquerdo ao caminhar”.
Foi o que aconteceu comigo.
Outros sintomas, ditos precoces, foram:
- a anosmia, uma deficiência olfativa que apareceu em algum momento distante;
- a prisão de ventre, também de longa data;
- quando eu espirrava a mão direita chacoalhava. E eu achava divertido;
- estava treinando para correr a maratona e não conseguia passar dos dezesseis quilômetros. Já era o Parkinson se manifestando;
- adquiri um relógio de pulso do tipo que dá corda com o balanço do braço. Funcionava bem no braço esquerdo, mas não no direito. Era o efeito “Rolex”; e
- a escrita foi ficando lenta, a ponto de não conseguir fazer as anotações das instruções de vôo em tempo real. Foi esse sintoma que nos levou a procurar um neurologista, o qual, após os exames de rotina, vaticinou: “Cel.,o senhor tem Parkinson”.
Ficamos atônitos. Voltamos para casa sem dizer uma só palavra e fomos dormir. Já era a negação da doença, a qual só terminou depois que consultamos mais cinco ou seis médicos neurologistas e todos foram unânimes: “É Parkinson”.
Essa fase da negação da doença foi bem definida. Já a da revolta e a da depressão foram episódicas. E, os poucos, fui construindo a fase da aceitação. Para isso, contei com a ajuda de Maria Laura, com seus conhecimentos de psicologia, que me ajudaram a identificar e combater a depressão; com seu pragmatismo do tipo “O que não tem solução, solucionado está”; com o que ela denomina “inofensividade”, que consiste em não falar mal de ninguém; e de outros artifícios de que falarei mais adiante.
Tenho por mim que meu estado de saúde, depois de vinte anos de Parkinson, pode ser considerado excelente. Creio que isso é resultado de uma combinação de fatores: o acompanhamento médico, a cirurgia, os procedimentos e uma postura de vida.


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IV-  Tratamento medicamentoso

 Estou com meu neurologista, Dr Nasser Allam, há mais de quinze anos. Na verdade, se não descontarmos os dois anos que passamos no Uruguai, onde fui designado Adido Aeronáutico, daria dezessete anos.
O Dr. Nasser pertence ao time dos que crêem que o levodopa não tem efeito neuroprotetor e que, com o evoluir da doença, seu efeito vai diminuindo, o que requer doses cada vez maiores e diminuição do intervalo entre as dosagens. Sua estratégia para comigo é de parcimônia, no uso do levodopa, complementando sua carência com “agonistas da dopamina[1]”.
Creio que essa postura do Dr Nasser contribuiu, em grande parte, para que eu alcançasse vinte anos de diagnosticado, mantendo minha independência e com um bom estado físico e mental. Foi ele quem me convenceu a criar uma associação de parkinsonianos,  em Brasília.
A julgar pelos medicamentos que tomo, que permanecem na mesma dosagem, há mais de dois anos, parece que a doença estacionou. É necessário, contudo, aprofundar essa análise, pois há outros fatores intervenientes: o uso da razagilina; a cirurgia; a ênfase nos procedimentos e a postura de vida. A julgar pelos sintomas, se estacionou, foi parcial, pois alguns sintomas, como os relativos à fala, continuam a evoluir.

 

[1] Os agonistas dopaminérgicos são drogas importantes no tratamento da DP, à medida que estimulam, diretamente, os receptores dopaminérgicos e, com isso, substituem, em parte, o levodopa, sem provocar flutuações motoras e/ou discinesias.


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V-  Tratamento cirurgico

Fui diagnosticado como tendo a DP há 20 anos, e fiz a cirurgia de Estimulação Cerebral Profunda - ECP[1], há três anos. Ou seja, contava, na época, com 17 anos de diagnosticado e 61 anos de idade.
Quem primeiro sugeriu que fizesse a cirurgia foi o Dr Nasser Allam, comentando,  várias vezes,  que seria  benéfica para mim.
Como eu desejava saber como estava sem a máscara dos medicamentos, ingeri uma overdose de proteína de origem animal[2] para simular a retirada dos medicamentos, ocasionando o aparecimento de  mais de 20 sintomas motores e não-motores (tremor; rigidez, evidente no lado direito do rosto; fenômeno “on/off"[3]; fenômeno “freesing"[4]; discinesias[5]; problemas com a fala e com a deglutição; dores nas costas e lombares; distonias[6]; anosmia[7]; sialorreia[8]; seborreia; coreia[9]; dificuldades com o equilíbrio; queimação no estômago; prisão de ventre; mioclonias[10]; dificuldade de dormir, não conseguindo atingir o sono REM; micrografia; dificuldade para levantar e iniciar a marcha; fala mais baixa; sudorese[11] e gritos espontâneos. Na ocasião, tomava cerca de 1000 mg de Levodopa, por dia,  já  próximo do limite – necessitava de uma dose ligeiramente maior, mas o aumento do levodopa aumentava a discinesia.
Decidi, então, fazer a operação. Procurei e obtive todo o apoio da FAB, inclusive financeiro, cobrindo os custos da cirurgia, além de acompanhar o caso com interesse.
Em consequência, no dia 22 de março de 2007, dirigi-me ao Instituto de Neurologia de Goiânia para realizar a ECP, a ser conduzida por um neurocirurgião, Dr Luiz Fernando Martins.
Para os que não sabem, trata-se de uma operação para o implante de um eletrodo em determinado alvo, em um ou nos dois lados do cérebro (no meu caso, nos núcleos subtalâmicos, os quais são hoje alvos quase que exclusivos).
Já nesse dia, realizei uma ressonância magnética e, no dia seguinte, então sedado e com um aro metálico preso à cabeça, realizei uma tomografia computadorizada. Com os dados desses dois exames, a equipe, composta por um neurocirurgião, um auxiliar, um técnico, um anestesista e um físico navegador, realizou os cálculos necessários para a colocação dos eletrodos, exatamente no meio dos subtálamos direito e esquerdo, com um erro máximo de dois milímetros.
Com esses dados em mãos, iniciou-se a operação propriamente dita, consistindo em, numa primeira etapa, em que permaneci sedado para poder cooperar, foi realizada a trepanação e, a seguir, a condução dos eletrodos até os mencionados alvos, por meio de varetas, as quais foram, posteriormente, retiradas, permanecendo os eletrodos com os fios e os furos tamponados. O sedativo utilizado me deixou apto a cooperar, mas apagou todos os eventos desse período de minha memória.
Na segunda etapa, já anestesiado, foi colocado, por debaixo da pele do peito, o neuroestimulador com suas ligações.
Apos esse procedimento, fui conduzido ao Centro de Tratamento Intensivo onde passei a noite, num procedimento de rotina. No dia seguinte, sábado, fui retirado e levado para o quarto, tendo recebido alta logo a seguir, no domingo.
O Dr. Luis Fernando optou por manter o neuroestimulador desligado por 15 dias, devido à sensibilização provocada pela cirurgia. Nesses 15 dias, voltei a tomar os remédios, conforme a prescrição anterior.
No dia 9 de abril,  segunda feira, voltei a Goiânia e liguei o equipamento, com uma melhora surpreendente no tremor e na rigidez. Por orientação do Dr. Luiz Fernando, reduzi, drasticamente, os medicamentos, tendo permanecido com 300 mg de Levodopa, zero de Sifrol e zero de Mantidan.
Surgiu, todavia, uma forte alergia, sendo necessário o Dr Luiz retirar o restante dos medicamentos e receitar um antialérgico, informando-me que se tratava de uma reação normal. Entretanto, com a retirada dos medicamentos, alguns sintomas não relacionados com o tremor e com a rigidez se manifestaram na forma de distúrbios da marcha (festinação). Consultando meu médico, em Brasília, fui informado que, provavelmente, tratava-se de um sintoma da DP associado à noradrenalina, mas que, no caso, tinha boa resposta ao Levodopa. Receitou-me, então, uma dosagem pequena de Levodopa, ficando em observação para avaliar o resultado.
Ainda hoje, estou sem tremor, sem rigidez e com o distúrbio da marcha sob controle. Continuei com minhas atividades na APB, além de, na época, fazer estatuetas em concreto airado. Passei, também, a dormir melhor.
Logo após a cirurgia, viajava para  Goiânia de quinze em quinze dias, para ajustar o aparelho. Depois, as visitas foram-se espaçando e, hoje, vou somente uma vez por ano. O prognóstico é que deverei trocar a bateria daqui a uns cinco ou seis anos. Atualmente, está com 70% da carga.
Com o controle da rigidez e do tremor pela cirurgia, imaginava que a instabilidade postural iria requerer doses cada vez maiores do levodopa.  Isso não ocorreu. Permaneço com a mesma dosagem de medicamentos que foram ajustados em função da cirurgia. Um único medicamento foi acrescido – um comprimido de rasagilina por dia. Pelo visto, se bem gerenciada, o levodopa poderá ser efetivo por muito tempo. A literatura sobre a DP foi confirmada: essa cirurgia não atua nos problemas da fala e da deglutição. A OEP é uma boa opção para prolongar a longevidade com qualidade de vida. Contudo, não dispensa alguns outros cuidados bem conhecidos dos PDP (portadores da Doença de Parkinson).
Enfim, considero a operação um sucesso absoluto e a recomendo àqueles que tiverem as condições: pouca resposta à levodopa, mas alguma resposta.
Por falar em resposta, eis algumas perguntas que me fazem:

Pergunta:  Quais são os riscos da cirurgia?
Resposta: O risco é o inerente a toda cirurgia. Quando a cirurgia era efetuada “a céu aberto”, o risco de infecção era muito elevado. Hoje, é feita por um pequeno furo, o que torna o risco pequeno também. O outro risco é o de hemorragias, devido ao cérebro ser muito vascularizado. Contudo, as técnicas evoluíram e a contenção da hemorragia, atualmente, é mais eficaz.

Pergunta:  Dói?
Resposta: Não. A colocação do bastidor e a trepanação não devem doer muito, pois eu estava somente sedado, e não me lembro de ter sentido alguma dor ou desconforto. A colocação dos eletrodos também não doeu, pois o cérebro não possui sensores. A colocação do neuroestimulador deve doer mais, pois é feita com anestesia – e também não senti nada. O mesmo ocorreu no pós-operatório.

Pergunta: Quanto tempo dura a bateria?
Resposta: De cinco a oito anos, dependendo das regulagens. Se fosse no globo pálido, que é o alvo escolhido para discinesias, duraria menos tempo.

Pergunta: Essa cirurgia é efetiva para a “instabilidade postural?”
Resposta: A cirurgia no “subtalâmico”, que foi o meu caso, é efetiva para tremor e rigidez. Todavia, com o passar do tempo, sinto que ela atua, também, diminuindo a “instabilidade postural”. Todavia, o alvo ideal para a instabilidade é o “pendúnculo plotino”. Segundo fui informado, essa operação já está sendo feita no Brasil.

Pergunta: O que acontece se o aparelho desligar inadvertidamente?
Resposta: O aparelho vem com uma “chave” (um ímã) com a qual se liga ou desliga. Principalmente nas fases avançadas da doença, se permanecer desligado, devem aparecer os sintomas que ele encobre. A ECP não cura a doença, não evita a sua progressão; somente mascara os sintomas, que é o que necessitamos.

Pergunta:  O aparelho tem restrições ambientais?
Resposta: Sim. Você não pode fazer uma ressonância magnética, nem mesmo desligando o aparelho, sob risco de lesões graves. Também não se deve passar por portais detectores de metais. Eu só respeito os de bancos e de aeroportos. Os demais eu passo. No meio, mas passo. Os aparelhos de solda elétrica também devem ser evitados. O equipamento vem com instruções detalhadas sobre o assunto.

* * *


[1] ECP: Estimulação Cerebral Profunda. Foi realizada nos subtálamos direito e esquerdo para rigidez e tremor. Essa cirurgia tem indicações e contraindicações. Para realizá-la, é importante consultar  um médico e, se não ficar satisfeito, procurar uma segunda opinião. É uma cirurgia cara que não é realizada pelo SUS (a não ser nos casos determinados pela Justiça). Não é a cura da DP, nem há garantia de sucesso. Para saber mais, consulte ”A Doença de Parkinson”, livro organizado pelos doutores  Teive e  Menezes. Uma alternativa bem mais em conta, quanto ao preço, é a mesma operação sem o implante do neuroestimulador (cirurgia estereotáxica). Em seu lugar, “queimam-se” porções do subtálamo ou do globo pálido, o que a torna irreversível. Já a ECP é totalmente reversível, bastando remover os eletrodos..


[2] A absorção do levodopa utiliza o mesmo sistema de transporte facilitado que os aminoácidos de cadeia grande (proteína de origem animal), os quais têm prioridade na absorção.

[3] O fenômeno “on/off” é conhecido, também, como “efeito ioiô”. Os períodos “off” tendem a predominar e consistem em “desligamentos” inesperados, dentro do período de validade dos medicamentos, seguidos de “ligação” também inesperada.

[4] O “freesing” ou congelamento consiste na incapacidade de andar. O paciente dá a ordem para andar e nada acontece. Esse fenômeno dura apenas um ou dois minutos, mas é repetitivo. Um modo de contornar o problema é interromper a marcha, acalmar-se e, então, reiniciar o caminho.

[5] Discinesias: São movimentos involuntários que podem manifestar-se como coreia (tem esse nome devido à dança com a qual se assemelha), distonia (câimbras) ou mioclonias (movimentos bruscos ou tiques nervosos.

[6] As distonias são contrações semelhantes às câimbras. É uma discinesia. Aparecem, nas mãos, nos pés, nos ombros e nos quadris.

[7] É uma deficiência olfativa. É um dos sintomas precoces.

[8] A sialorreia é um excesso de saliva. Às vezes, provoca a baba, o que é constrangedor.

[9] A coreia é um tipo de discinesia. Recebe esse nome devido à semelhança com a dança de mesmo nome.

[10] As mioclonias são movimentos involuntários súbitos, de curta duração, semelhantes a choques causados por contrações musculares ou por inibição dessas contrações, podendo estar restritos a um grupo de fibras musculares, envolver todo o músculo ou um grupo deles.

[11] Sudorese é um sintoma não-motor em que o Portador da DP sua mais que o normal ao praticar algum esforço físico continuado.


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VI-  Tratamento de suporte
        
 Fiz algumas sessões de fonoaudiologia, e a voz melhorou substancialmente; passado algum tempo, porém, voltou a piorar. É necessário fazer exercícios todos os dias e, nesse sentido, sou relaxado. Não faço. Talvez a solução, para mim, seja fazer toda a sequência do método Lee Silverman, constituído por 16 sessões, três vezes por semana e, depois, fazer somente as sessões de manutenção.
Aprendi, também, com uma nutricionista a forma de combater a constipação intestinal e a importância da mastigação.
Quanto aos exercícios, são muito importantes, pois atuam sobre todos os outros sintomas.  Talvez devido à bradicinesia, os PDP (Portadores da Doença de Parkinson) não gostam de praticá-los. Uma solução que colhi, na opinião de um amigo, é contratar um “personal trainer”.
Fiz algumas sessões de fisioterapia, mas desisti. Parece que estou deixando piorar para, então, praticar. Só espero “não passar do ponto”.
Essas foram algumas atividades de suporte pelas quais passei.
De atividades de apoio, só fiz dança de salão e faço parte de um coral. Mas viajamos bastante, eu e Maria Laura.
* * *


[1] Denomino atividades de suporte  aquelas que complementam o atendimento médico como, por exemplo, a fisioterapia, a fonoaudiologia e muitas outras.

[2] Denomino atividades de apoio aquelas prazerosas, destinadas a relaxar, física e mentalmente.


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VII-  Procedimentos
     
  Normalmente, o médico neurologista elege os procedimentos que serão enfatizados em cada fase da doença.
Esses procedimentos são providências que deverão ser adotadas para se contraporem aos novos sintomas ou um ajuste para os sintomas antigos.
Todavia essa responsabilidade deve ser partilhada. Compete ao portador e ao cuidador anotarem, cuidadosamente: o surgimento de novos sintomas; o aparecimento de flutuações motoras; o aumento e os horários das discinesias; e outros problemas relacionados ou não com a DP.
Essas anotações devem ser apresentadas ao médico neurologista para que ele faça uma avaliação e prescreva os medicamentos necessários e os procedimentos a adotar. 
Ao PDP compete o cumprimento desses procedimentos na frequência e na intensidade necessárias. Para desempenhar esse papel, o PDP e, se possível, seu cuidador devem conhecer bem a doença, pois só assim conseguirão bons resultados. O entendimento da DP e da “sua” DP é necessário para facilitar o diálogo com seu médico neurologista e com os parentes e amigos.
Por esse motivo, venho estudando a DP desde o meu diagnóstico. Inicialmente, buscava na internet, mas, com o passar do tempo, percebi que havia excesso de informações, as quais careciam, muitas vezes, de pertinência e confiabilidade. Passei, então, a consultar livros de especialistas renomados.
Um desses livros é “A Doença de Parkinson”, dos doutores  Teive e Menezes, o qual contém mais de quarenta capítulos escritos por especialistas na DP, cada qual discorrendo sobre um aspecto da doença.
Dessa forma, melhorei o diálogo com meu médico neurologista e com parentes e amigos. Esse conhecimento também foi útil para avaliar o estágio em que se encontra a doença, e os sintomas que aparecem e desaparecem.
Quanto aos procedimentos, eu os dividi em: superimportantes, que são aqueles que, se negligenciados, podem gerar lesões graves ou, até mesmo, a morte; em muito importantes, que são aqueles que, se negligenciados, pioram alguns ou todos os outros sintomas; e classifiquei os demais como importantes.
Os superimportantes são as quedas e os engasgos. Levei duas quedas: uma andando e outra correndo, ambas causadas por um estiramento de uma perna que classifiquei como um “movimento brusco”. Hoje,  corro num gramado próximo à minha casa. Assim, se cair, não me machuco.
Tive, também, um episódio de baixa pressão ortostática, levantando do chão. Fiquei tonto, mas passou. Agora, fico atento a novos episódios.
Evito subidas e descidas, quer sejam escadas ou escaladas. Nas escadas, uso sempre o corrimão e, quando tenho que passar ou escalar um obstáculo, procuro fazê-lo com cuidado, buscando pontos de apoio confiáveis.
Por falar em quedas, tenho tido alguns episódios de instabilidade postural, a maioria com forte tendência a cair. Procuro frear de imediato e tenho tido bons resultados. Até hoje, não caí. Tenho ficado nos ameaços. Às vezes, a tendência é cair de lado e tenho dificuldade de controlar esse movimento.
Quanto aos engasgos, também tive dois que ocorreram em situações distintas.  O primeiro ocorreu num restaurante onde almoçava com a família. Engasguei com um pedaço de carne e não conseguia respirar. Levantei e levei as mãos na garganta, o que constitui um indício de que está ocorrendo o engasgo. Por sorte, meu filho Cláudio estava presente e conhecia a Manobra de Heiliech que consiste em abraçar a pessoa por trás e pressionar seu diafragma. Com a pressão, o ar é expelido e leva junto o objeto do engasgo. Esse procedimento durou um ou dois minutos. Se a pessoa não desengasgar, a morte advém em quatro minutos. Os paramédicos que  foram acionados chegaram em nove minutos.
O segundo foi em casa, com um gomo de laranja. Estava sozinho e desengasguei aplicando a manobra em mim mesmo, pois já havia aprendido o procedimento. Aproveitando um balcão, fiz pressão e comprimi o diafragma.
A partir de então, passei a tratar com mais seriedade o assunto.
Recomendo que consultem a Manobra de Heiliech, na internet, pois esse procedimento pode salvar sua vida ou você pode salvar alguém.
Agora, gato escaldado, fico atento para evitar novos engasgos: corto os alimentos em pedaços pequenos; coloco na boca bocados de tamanho confortável; mastigo bem e vou engolindo aos poucos; esvazio a boca antes de colocar uma nova porção; procuro fazer minhas refeições em ambiente tranquilo; procuro não conversar enquanto como; e fico atento com o deglutir.
Falando em deglutir, quando tomo algum comprimido e sinto que ele ficou parado na garganta, tomo um gole d’água com a cabeça baixa, queixo quase encostado no peito, e cabeça ligeiramente virada para um lado. Após, repito o procedimento para o outro lado. É tiro e queda: no meu caso limpa mesmo a garganta. Mas, em uma conversa com uma fonoaudióloga, esclareceu-me que cada caso é  diferente. Não dá certo para todas as pessoas e só serve para coisas pequenas, como um comprimido.
Quanto aos procedimentos muito importantes são aqueles que, se negligenciados, pioram os outros sintomas. É o caso dos exercícios que melhoram, senão todas, a maioria dos sintomas da doença e, além disso, atuam, positivamente: no sistema cardiovascular; combatem a depressão; melhoram o sono; diminuem a constipação intestinal – enfim, são benéficos para todo o organismo. Em vista disso, voltei a praticar exercícios, mas com uma diferença – faço os exercícios que me agradam.
Há uma tendência para não praticarmos exercícios devido, principalmente, à bradicinesia e à rigidez, que causam desconforto. Os exercícios que estou fazendo são os recomendados por Charles Altas que, segundo consta, foi o homem mais forte de seu tempo. E um de meus objetivos é aumentar a força.


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VIII-  Sintomas difusos

Alguns sintomas manifestaram-se de forma difusa, pouco clara. É o caso, por exemplo, das duas quedas cuja causa demorei para identificar e só consegui porque, numa ocasião em que estava deitado, tive uma “fibrilação” na perna esquerda. Foi um movimento rápido sobre o qual não tive nenhum controle e que classifico como “movimento brusco”. Se minha percepção for correta, tenho que tomar cuidado, principalmente, quando estiver realizando uma atividade de risco em potencial, como atravessar uma rua.
Outros sintomas desse tipo relacionam-se com a visão. Um deles refere-se a “ver” insetos onde eles não existem. Trata-se de um fenômeno que me é comum e que nada mais é que uma desfocagem momentânea, geralmente relacionada com manchas, pequenos objetos ou padronagem do piso. Basta focalizar a visão, e os “insetos” desaparecem. Essa desfocagem também já me ocorreu dirigindo à noite. Apareceram vultos à frente, difíceis de identificar. Devido a isso, não mais dirijo à noite.
Também há o caso de visão dupla.  Tenho a impressão de que, mantendo a duplicidade, a diplopia se instala, como se fora uma acomodação visual.


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IX-  Sintomas não vivenciados

Até agora somente descrevi os sintomas que vivenciei na evolução da Doença de Parkinson. Falta descrever os sintomas que não vivenciei, seja por não aparecerem, seja por estarem mascarados pela medicação ou pelos efeitos da cirurgia.
Desses, os mais evidentes são:
- os distúrbios cognitivos, como as alucinações, e os ataques de pânico;
- a atetose, que consiste em movimentos lentos com posições retorcidas e alternantes, incidindo, geralmente, nos pés e nas mãos;
- a bradifrenia, que consiste em uma lentificação do pensamento;
- a cinesia paradoxal, em que o indivíduo realiza proezas físicas que, em condições normais, seria incapaz de realizar;
- a hiper-sexualidade, normalmente causada pela medicação;
- a síndrome das pernas inquietas, que consiste em formigamento e outras sensações desagradáveis nas pernas, o que leva à necessidade de caminhar um pouco;
- a síndrome da mão alienígena, em que um lado do corpo age como se fora independente;
- a palilalia, que consiste na repetição de palavras ou frases no decorrer da conversação; e
- a apraxia da abertura dos olhos – dificuldade para abrir os olhos.

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X-  Adaptações
       
 Sempre tive prisão de ventre e já não tenho mais. Bastou seguir algumas orientações da nutricionista: fazer exercícios, de preferência corrida; tomar bastante água; e respeitar a vontade de ir ao banheiro.
O ato de “dormir” também mudou. Inicialmente, passei a dormir em camas separadas, pois estava apresentando “movimentos bruscos” e poderia machucar a Maria Laura. Depois, passamos a dormir em quartos separados, pois acordo várias vezes, durante a noite, vou ao banheiro e ando um pouco. O sono é muito importante para o organismo e o ideal é atingir o sono REM, o qual requer um dormir contínuo de cerca de três horas, o que não consigo. Mas me dou por satisfeito quando a soma dá mais de cinco horas.
Também já caí da cama: sonhei que fugia de alguém que atirava em mim e  me jogava em uma depressão do terreno. Acordei estatelado no chão. Em função disso, coloquei uma guarda removível de cada lado da cama.
Outra curiosidade: acordo, levanto e ando sem que apareçam os sintomas, sem tomar levodopa ou qualquer outra medicação antes de ir dormir. Como a urina permanece escura a noite toda, clareando no decorrer do dia (desde que não tome os medicamentos), creio que o resíduo desses medicamentos fazem efeito durante a noite, quando o metabolismo é baixo ou ainda tenho vesículas dopamionérgicas que estocam a dopamina metabolizada.
Como já não confio no meu senso critico, solicitei à Maria Laura e ao Sérgio que, a partir de então, fizessem as restrições necessárias. Combinamos que eu não mais dirigiria à noite, a não ser em emergência. Viajar sozinho ficou em aberto.
Outras restrições:
- a fala esta cada vez mai baixa e difícil de entender, principalmente ao telefone;
- já não como carne vermelha nem frango e como peixe uma vez por semana,  porque isso estava interferindo demais na absorção do levodopa;
- já tive episódios de depressão e não tenho mais;
- minhas articulações e músculos não estão em boas condições;
- tenho “face em máscara”, o que afeta a expressividade;
- já babei algumas vezes. Em certa ocasião, cochilei na antessala de uma clínica e, quando a recepcionista me acordou, eu estava meio caído de lado, babando;
- tenho incontinência urinária, agora, sob controle, mas passei por situações desagradáveis, quando esse sintoma se manifestou;
- tenho dermatite seborreica que controlo lavando a cabeça todos os dias e, quando necessário, o rosto duas a três vezes ao dia;
- já não sigo a regra dos 50 minutos antes ou duas horas depois das refeições para ingerir o levodopa, mas sigo, “gastronomicamente”, a regra de não ingerir proteína de origem animal. A carne vermelha e o frango foram eliminados e como peixe uma vez por semana;
- tive vários episódios de sudorese. Já não os tenho mais;
- também tive dois episódios com gritos – um dormindo e outro acordado. Nunca mais ocorreram; e
- tenho tido “brancos de memória”. Quando relativos à memória recente, volta rápido; quando relativos à memória longínqua, demora mais. Mas não peço ajuda: fico tentando lembrar e acabo conseguindo.
Às vezes, estou conversando e vem um “branco” - esqueço o que ia dizer. Isso se constitui em um problema em algumas circunstâncias, como nas entrevistas “ao vivo”.

Companheira de Jornada - Parkinson
XI-  Postura
       
      Aos poucos, fui chegando à conclusão de que é melhor fazer uma aliança com a DP do que brigar com ela. Afinal, a julgar pela situação atual, minha DP deverá me acompanhar pelo resto de meus dias. Ela é minha “Companheira de Jornada” e considero, também,  que seja o meu “Anjo da Guarda”, que sempre me protegeu muito bem, como fica claro em meu livro “O Rabo do Macaco e outra Histórias”. Na verdade, considero que meu “Anjo da Guarda”, minha “Companheira de Jornada”, minha intuição e meu inconsciente são uma só entidade.
No quaterno de Jung, eu sou um intuitivo/sensação, ou seja, meu forte é a intuição, e minha fraqueza é a sensação. Os complementares são o sentimento -  percebo bem as pessoas e as coisas, mas minha sensação é fraca e o pensamento não é meu forte, mas também não é meu ponto fraco.
Outro ensinamento que a Maria Laura me proporcionou foi o da “sombra”, que está presente toda vez que um determinado acontecimento nos incomoda mais que o esperado. A sombra é o lado sombrio de cada um, o qual tentamos empurrar para dentro do inconsciente, toda vez que ela aflora, o que só faz aumentar sua força. A única maneira de lidar com ela é identificando, numa situação de raiva ou contrariedade, quando se trata de uma manifestação da sombra. Uma vez reconhecida, geralmente é apaziguada.
Maria Laura também me ensinou a praticar a “inofensividade” que consiste em não pensar mal de ninguém. Como isso é muito difícil, adoto uma postura intermediária – não falar mal de ninguém. Esse artifício é muito bom para diminuir o estresse e medo. Sim, o medo. Toda vez que nos colocamos na defensiva, estamos com medo. Entretanto, a prática da inofensividade não significa aceitar tudo e qualquer coisa. Também é necessário estar preparado para defender nossos valores, nossa integridade. E, para exercer o poder também é importante estar em boa forma física, se bem que há muitos tipos de poder e nem todos requerem aptidão física. É como diz o ditado: “Ninguém é tão forte nem tão fraco como possa aparentar ser”. Em outras palavras, ninguém tem poder absoluto e ninguém é completamente destituído de poder.
Também faz parte de minha postura de vida procurar ajudar os outros, o que evita que eu fique autocentrado, o que é uma porta aberta para a depressão.
Ainda há os “fantasmas”, pensamentos negativos que aparecem durante a noite, antes de dormir ou ao acordar. Esse fenômeno é semelhante ao mecanismo do ciúme em que o ciumento “arredonda” os fatos para que esses indiquem o que ele quer (geralmente traição). Isso nos remete à definição de “paradigma”, de Peter Kunt: “paradigma é uma simplificação da realidade para que nós, seres humanos, possamos lidar com ela”. Ou seja, a realidade, em seu estado bruto, não é alcançável aos seres humanos. É necessário simplificá-la para compreendê-la. Um bom exemplo da simplificação da realidade são os dogmas religiosos ou ideológicos. “É assim e pronto”.

Companheira de Jornada - Parkinson
XII-  Conclusão
      
         Eis aí, em poucas palavras, minha vida com minha “Companheira de Jornada”.
Para quem está com mais de vinte anos de diagnosticado, eu estou muito bem, e a minha Companheira tem-me ensinado muito.
E, se estamos nessa vida para aprender, creio que vou passar de ano.
Dúvidas? Também as tenho.
Leve as suas ao seu médico neurologista.
E boa sorte para você também.

Cel. Patto

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