domingo, 2 de janeiro de 2011

O PERU DE NATAL E OUTRAS HISTÓRIAS


1-Questão de côr
     Bem fez Lênin, que era o bamba da estratégia, quando escolheu
o vermelho para emoldurar as esquerdas no mundo todo, pois essa é a cor popular por excelência.
     Mal fez a direita que não elegeu o amarelo para representá-
la, pois essa é também uma cor das multidões. De quebra poderia ter levado o dourado, que é a cor da transcendência e das religiões. E dos prostíbulos, quando conjugada com o vermelho.
     Já o azul e o verde, cores elitistas, não foram escolhidas
por nenhum dos dois, pois não convém às ideologias.

2-Churrasco corrido
     Combinaram ir a uma churrascaria de espeto corrido,
onde poderiam comer à vontade sem acréscimo na conta.
     Tomaram assento ao meio dia e começaram a comer. E às
quatro horas da tarde ainda estavam comendo.
     E os garçons não entendiam como era possível comer tanto.
     Não havia precedentes.
     E o mistério persistia.
     Por fim pagaram a conta e foram embora.
     E só no dia seguinte o mistério foi desvendado. Havia ao
lado da mesa que utilizaram um grande vaso com plantas.
     Os comilões mastigavam a carne e descartavam o “bagaço”
no vaso.
     Só tomavam o caldinho.

3-O palavrão
     Tinha um colega conhecido como o rei dos palavrões. Não completava uma frase sem um palavrão, principalmente quando bebia. E, devido a essa mania, não lhe convidavam para nenhum evento social.Até que um deles resolveu dar-lhe uma chance.
     Convidou-o para almoçar em sua casa, mas fê-lo prometer que não diria sequer um palavrão.E ele compareceu pontualmente no dia combinado, levando um buquê de flores para a anfitriã. E estava cumprindo o combinado. Conversava com desenvoltura, sem dizer uma só palavra chula. E, enquanto esperavam o almoço, foram servidos uns aperitivos e ele aceitou, o que não foi uma boa idéia, pois logo a seguir a dona da casa lhe perguntou
     — Espero que goste de macarronada.
     Ao que ele prontamente respondeu:
     — Minha senhora. Eu dou a bunda por uma macarronada. E, ao notar a mancada corrigiu:
     — Desculpe senhora. Mas é que eu gosto de macarronada prá caralho.

4-O efeminado
      Há quem diga que homens e mulheres nascem iguais e permaneceriam iguais se não fosse a influência de uma educação diferenciada.O caso que vou contar talvez elucide a controvérsia. Havia numa pequena cidade no interior de Minas uma mulher que esperava um filho. Ou melhor, uma filha. Pois não admitia nem mesmo a hipótese de que fosse um filho. Todo o enxoval era rosa, havia planos para que fosse bailarina, especulava com as amigas de que cor haveriam de ser os olhos e o cabelo ... E quis o destino que nascesse um menino que a mãe tratou desde então como se menina fosse. Deu-lhe o nome de Rita, usou todo o enxoval cor-de-rosa, comprou-lhe brinquedos de meninas. Reforçava todo comportamento ou atitude feminina e inibia os comportamentos masculinos. E assim foi crescendo, sempre convivendo com mulheres e se comportando como elas. E nem poderia conviver com rapazes pois mantinha o hábito de vestir-se com roupas femininas. E cedo descobriu sua vocação — manicuro. Atendia a domicilio e, como era tido como gay, os maridos não se preocupavam e o deixavam à vontade com suas esposas. E disso se aproveitava. Estava no auge de sua sexualidade e sabia seduzir uma mulher como ninguém. Afinal, sempre vivera com elas. E assim se passaram os dias, os meses e os anos. A clientela crescia e ele comia quase todas. E, como não usava preservativo, começaram a nascer lindas crianças loirinhas, tal como o pai. E, com o passar do tempo, a maioria das crianças da cidade eram irmãos por parte de pai.
     Melhor do que isso só macho reprodutor, como no tempo da escravidão.

5-O sumiço dos porcos
     Tinha uma fazenda às margens do rio Trombetas, no Pará. A terra era excelente e, em alguns pontos,
apresentava uma particularidade — as plantas cresciam como se acometidas por uma espécie de gigantismo. E, para melhor entendimento, vou contar o caso do sumiço dos porcos.
     O fazendeiro criava alguns porcos soltos e nunca teve problemas, até que um dia eles começaram a sumir. Desconfiou que alguma onça os houvesse levado, mas não havia vestígios.
     Resolveu então fazer uma inspeção completa na fazenda e terminou por desvendar o mistério. Havia um mandiocal às margens do rio e uma das mandiocas havia crescido justamente num daqueles pontos que propiciava o gigantismo. E a mandioca cresceu tanto que atravessou o rio por debaixo do leito, indo dar na outra margem. E os porcos, comendo o miolo, escavaram uma espécie de túnel, passando para a margem oposta.

6-O aposentado
     Tinha 65 anos e era aposentado pelo INSS.
     Vivia só, pois era viúvo e os parentes não queriam nada com ele. Morava numa quitinete, fruto de trinta anos de economia, no tempo em que a esposa era viva e ainda trabalhava. E, até agora, tinha vivido com essas economias mais os proventos da aposentadoria. Mas a poupança estava acabando. Assim, começou a fazer as contas, cortando tudo que era possível. Começou pelo condomínio — R$ 100,00. Não dava para cortar. Remédios não comprava, pois apanhava todo mês na Farmácia de Alto Custo. Em média, fazia três viagens de ônibus para buscá-los. Às vezes faltavam remédios. Mas havia aprendido. Teria que reservar um dinheirinho para ter em casa um dos medicamentos mais baratos dentre os que precisava, para conseguir ir até a farmácia e para aguardar, recolhido em sua quitinete, que a situação se regularizasse. Não pagava atendimento médico. Era atendido no SARA, aonde ia uma vez por mês.
     Comprar roupas, nem pensar. Mas tinha um saldo do tempo das vacas gordas. Porém, precisava lavar. No tanque, é claro. Bacias tinha. Faltava o sabão — uma barra por mês. Para cerzir e remendar tinha o material necessário. E a comida? Podia passar com 2 kg de feijão, 3 kg de fubá, 100 g de sal, 1 kg de açúcar, 3 cabeças de alho, 2 kg de café, 2 kg de batatas, 4 pés de alface, e alguns tomates. Podia ainda pegar com o açougueiro, que era seu amigo, alguns ossos para uma sopa. O tutano devia lhe fazer bem. O mesmo poderia tentar com o padeiro. Era somente seu conhecido, mas parecia um bom sujeito. Quem sabe não arranjaria um ou dois pães dormidos todo dia?
     E para cozinhar e fazer o café? Só podia ser com gás. Um bujão deveria durar pelo menos dois meses. Faltou a eletricidade. Não gastando com luz e tomando banho frio, ficava só o consumo da geladeira. Uns R$ 50,00. A televisão era melhor vender. As notícias, que costumava assistir, sabe-las-ia com o zelador, que gostava de ser bem informado. De quebra, saberia as novidades sobre os vizinhos. E também tinha que pagar o IPTU. Dividindo em 12 parcelas, é claro. Somando tudo, dava R$ 355,00. Descontando dos R$380,00 da aposentadoria sobravam R$ 25,00. Que dava para pagar a Associação de Parkinson, da qual era associado.

7-O mentiroso
      Mentia.
      Mentia muito. Aumentava, distorcia, adaptava, modificava. Só não falava a verdade.Se imaginava algo, contava como se fosse verdade. Se lhe contavam algo, modificava e passava adiante como sendo a realidade. E, de tanto mentir, ficou refém da mentira — acreditava que todas as suas mentiras eram a mais pura expressão da verdade. Tanto é que, se lhe pedissem para confirmar alguma coisa que havia dito, confirmava tim-tim por tim-tim. E ainda acrescentava mais mentiras, todas coerentes em seu conjunto.E pasmem. Todos gostavam de conversar com ele, quer fossem os que acreditavam, quer fossem os que sabiam tratar-se de mentiras. Pois a natureza fez os homens crédulos. Acreditamos em Adão e Eva, no dilúvio, em Papai Noel, no Saci Pererê...
    Tanto é assim que toda religião tem dogmas, que nada mais são que "verdades" inquestionáveis — ou seja, mentiras. O próprio Lênin já dizia: "Minta! Minta sempre que suas mentiras se transformarão em verdades". E o nosso mentiroso? O que foi feito dele? Pois não é que lhe ofereceram um emprego de assessor? E dizem que é hoje o assessor mais bem remunerado de todo o Congresso Nacional.

8-O retraído
      Tinha Parkinson.
      Desde o diagnóstico, foi se retraindo.De início, passou a evitar os amigos. Até mesmo deixou de comparecer na pelada de sexta-feira. Nem mesmo freqüentava a Associação de Parkinson, da qual era sócio. Sua esposa,que também era sua cuidadora, freqüentava as reuniões e lhe trazia as novidades. Aos poucos, na medida em que a doença avançava, já não ia ao comercio e passou a evitar todo mundo. Sabia que tinha que fazer exercícios. Gostava de andar e passou a caminhar bem cedo, quando não havia quase ninguém nas ruas. Andava tremendo, arrastando os pés. E, um dia, ao cruzar com um casal, ouviu a mulher dizer:
     - Bêbado já há essa hora!
     Parou com as caminhadas.E comprou uma esteira.

9-Coisas da lingua
     Toda língua tem suas idiossincrasias. E o português não foge à regra. É o caso, por exemplo, de "bota a calça" e "calça a bota".
     Ou do casal de mineiros fazendo café:
     —"Pó pô o pó?"
     —"Pó pô".
     Ou a frase atribuída a um carioca, composta só de vogais:
     —"Ó o aue aí ô".
     Ou ainda o insólito "pois não" querendo dizer sim e "pois sim", querendo dizer não.

10-O tagarela
     Estava em uma fase avançada da Doença de Parkinson. A conselho de seu médico resolveu fazer uma palidotomia. Foi à procura de um neurocirurgião e este o alertou quanto aos possíveis efeitos colaterais, sendo o pior deles uma possível dificuldade na fala. Aceitou correr o risco e, dos entretanto, passaram aos finalmente. Realizam a operação, que foi um sucesso. Mas, passado algum tempo, ocorreu um fato inédito. Ao invés de dificuldade na fala, o operado passou a falar aos borbotões. Falava sem parar e — é claro — não ouvia ninguém. Sua mulher não agüentou e pediu o divórcio. Seus filhos, demais parentes e amigos não conseguiam se comunicar com ele. Até seu medico ficou de saco cheio. Foram duas horas tentando saber se ele desejava fazer outra operação para desligá-lo. E não conseguiu saber.

11-O colapso do tempo
      Existem fenômenos que não podem ser executados nem simulados, mas somente imaginados. É o caso de um pretenso colapso do tempo. Em acontecendo nem mesmo ficaríamos sabendo pois, em não havendo passado, presente e futuro, não haveria registro. Alem disso todo o universo ficaria parado pois sem tempo não há movimento. Só podemos imaginar que Deus, de alguma forma que nem mesmo nossa imaginação alcança, ficaria fora do tempo. Ou pelo menos fora desse tempo que conhecemos. Seria um tempo dos deuses que conteria o tempo de nós, simples mortais? Ora, pois pois. Dá um tempo.    
    

12-O homem da bengala
     Tinha Parkinson. Ultimamente vinha caindo e, por isso, usava uma bengala. Caminhava com dificuldade e tremia uma das mãos devido a flutuações motoras que alternavam períodos "ligado" e períodos "desligado". Mas já estava acostumado. A doença evoluía e precisava ajustar as doses dos medicamentos. E já estava na hora de visitar o seu médico. Mesmo com dificuldade, foi ao banco, que ficava próximo á sua residência.Como era idoso e andava trôpego, pegou uma senha de "Portador de Necessidades Especiais". Passou pela porta giratória e dirigiu-se ao caixa. Escolheu a fi la dos idosos, onde estavam todos sentados em uma fi leira de cadeiras estofadas, aguardando a vez.Nesse momento um dos idosos que estava bem á frente falou:
     — Sr. Sr. Venha aqui para frente. Não precisa ficar na fila. O homem da bengala desconfiou que isso não ia dar certo. Mas, mesmo assim, aceitou. E não deu certo. Logo a seguir uma velhinha exclamou:
     — Estou aguardando minha vez a um tempão. Não concordo que ele passe à frente. Ao que o primeiro da fila interveio:
     — Deixe-o passar. Não vê que está mais trôpego que mula manca?
     — Alto lá! Não precisa ofender o pobre diabo — defendeu outro.
     — Olha quem fala — retrucou o primeiro. Eu invoquei uma mula e você invoca o diabo. E ainda quer tirar onda de moralista.

     — Hei! E eu aqui? Como é que eu fico?  —  voltou a exclamar a velhinha.
     — Fica de boca calada — disse um terceiro, já alterando a voz.
     — Ninguém me manda calar a boca — retornou a velha.
     —Repete! Repete isso e vai sentir meu guarda-chuva nessa careca de velho safado e sem vergonha.
     A essa altura a confusão já estava formada. Um dos guardas, procurando intervir, levou a guarda-chuvada. Ficou nervoso e apitou. Nesse momento alguém gritou:
     — Fogo! Fogo!
     Debandada geral. Correram todos em direção à saída. E não podia dar outra — a porta giratória emperrou. E o gerente gritava:
     — Calma pessoal. Não há fogo. Não há incêndio. Enquanto isso o homem da bengala assistia tudo a um canto, estupefato. E, como sentia-se melhor, pois estava em uma fase "ligado", jogou a bengala no latão de lixo e saiu caminhando sem a bengala — e sem tremer.
     Quiseram lhe bater.


13-Vai para o lixo
     Almoçavam .Era a primeira refeição depois que reformaram o apartamento.E a esposa, numa preleção de como seriam os procedimentos a partir de então, vaticinou:
     — A partir de hoje, o que não funcionar nessa casa vai para o lixo.
     E o marido ficou preocupado.

14-O desenganado
    Começou a sentir dor no olho esquerdo e resolveu consultar o oftalmologista. Esse, após examiná-lo deu a má notícia — era câncer e não havia como extirpá-lo. Teria no máximo dois meses de vida.
      Desesperou.
      Largou o emprego, deixou a família e foi morar na zona.E todos o "compreendiam". Afinal, estava condenado. E assim passaram-se os dias, as semanas e os meses. Resolveu consultar outro especialista, o qual, após vários exames, garantiu que ele não tinha nada. Não tinha câncer. Houve uma troca de exames, o que levou o primeiro médico a um diagnóstico errado. Ficou feliz e contente. Mas nem tudo eram flores. Seu empregador, ao saber da notícia, o despediu por justa causa — abandono do emprego. Sua mulher pediu o divorcio e suas filhas já não falam mais com ele. Tudo por conta de três meses morando na zona. E tem mais. As putas agora querem uma indenização.

15-O atendimento
     Tinha um filho de uns oito anos que, brincando no colégio, caiu contra uma vidraça e cortou o pulso.
     Por sorte havia um médico no local que aplicou um torniquete, colocou o garoto no carro e levou-o para o hospital.
     Em lá chegando, foi atendido de imediato por uma equipe de cirurgiões que o operaram.
     Nesse ínterim, o hospital localizou a mãe do rapaz, essa localizou o pai e ambos foram ao encontro do filho.
     Quando os pais chegaram, a micro cirurgia, que levou mais de cem pontos, já havia terminado e o garoto já estava pronto para sair.
       No dia seguinte o pai foi ao hospital para falar com o Diretor e foi informado que ele estava ocupado e que não poderia atendê-lo,
      — Eu espero — disse o pai. E tomou assento na ante-sala.
      Passadas algumas horas o Vice-Diretor dignou-se a atendê- lo, o que fez de má vontade e visivelmente contrariado. E assim permaneceu enquanto o pai descrevia o ocorrido.
     — ... e ele foi atendido pelos médicos Fulano, Beltrano e Sicrano, os quais agiram com presteza, profissionalismo e senso humanitário. Melhor não poderia ser e somos muito gratos a eles, ao hospital, e à direção cuja administração deve ter contribuído, sem dúvida, para o desempenho desses seus subordinados.
      E o Vice Diretor, que esperava uma reclamação, ficou sem saber o que dizer.

16-Carta ao netinho
      Sei que é cedo para esta carta, pois tens somente algumas horas de nascido. Mas, futuramente, quando puderes ler e entender essas palavras, saberás quanto assim tão cedo já és importante em nossas vidas.       
     Escrevo em meu nome, mas creio que o sentimento é comum a todos os teus parentes e amigos. Sim. Já tens amigos, que são os amigos dos teus pais, avós, tios, primos. Amigos por procuração. Por contágio.
     E todos te esperavam para as boas vindas. És a continuação genética de teu pai e de tua mãe e, através deles, fazes parte e continuas a arvore genética de toda a humanidade.
    Temos todos um pouquinho de nós em você e tens um pouquinho de nossos antepassados de milhões de anos atrás.
     Nasceste sob a égide do amor e isso é bom. Pois o que de melhor uma pessoa pode ter na vida é amar e ser amado, e isso não te faltará.
     Seja bem-vindo ao planeta Terra. Tens todo um futuro maravilhoso pela frente. Perigos há. Mas, a julgar pelos teus amigos e parentes, deves ter também um excelente anjo da guarda. E saiba que este momento é muito especial. Hoje, para nosso deleite, passaste de vir a ser e és.
    És meu neto querido.
    Vovô

17-Brasil & EUA
     Um geopolítico e um psicólogo conversavam sobre Brasil e EUA. Cada qual apresentava suas razões do porquê os EUA são tão mais desenvolvidos sendo que ambos os países foram colonizados mais ou menos na mesma época.
     O geopolítico apresentou, como principal motivo, o fato de os EUA terem as estações mais definidas, com um inverno rigoroso que obrigava a estocagem de de lenha para aquecimento, alimentos e outros materiais para uso próprio, de sua família e de seus animais domésticos. Enquanto isso, o colono brasileiro, vivendo em um pais tropical, saciava-se sem esforço, na cornucópia da natureza, que lhe dava tudo, inclusive um clima agradável o ano todo. seria uma versão da “cigarra e a formiga”.
    O psicólogo, por sua vez, apresentou outra teoria, bem diferente. Para ele o motivo vinha também das origens, mas tinha fundamento psicológico. O EUA tem por mãe a Inglaterra e o pai é desconhecido. Por sua vez, o Brasil tem por pai Portugal e é filho de mãe desconhecida. Pai desconhecido e mãe conhecida vá lá.
    Mas pai conhecido e mãe desconhecida é um trauma de infância difícil de superar.

18-O atrapalhado
      Era atrapalhado.
      Tudo acontecia com ele.
     Certa vez foi a uma recepção de gala com a esposa. Estavam ambos paramentados: ele, de esmoquem e com suas medalhas que prezava tanto; ela com um vestido longo e com suas melhores jóias.
     Ao chegarem, dirigiram-se à entrada em que havia uma porta giratória, em vidro, assim como todo o saguão,que era todo envidraçado. Como era um cavalheiro, cedeu lugar na porta giratória à esposa, mas, ansioso, entrou junto no mesmo “gomo” da porta. E lá se foram eles, com passinhos curtos, sendo observados por todos os presentes dentro e fora do saguão.
     De outra feita estava em seu escritório onde havia, bem ao seu lado, uma trituradora de papéis.
     Distraído, foi triturar alguns papeis e não notou que o seu paletó estava pendente e perigosamente próximo.
     Não deu outra. O triturador agarrou o paletó e só parou porque engasgou.


19- Combatendo a dengue
      “Picadas de pernilongo causam dificuldade para uma ereção completa.”
      Em recente pesquisa realizada por um de nossos laboratórios conveniados, fi cou comprovado que as picadas de dois ou mais pernilongos por noite são sufi cientes para impedir uma ereção completa por até vinte e quatro horas, sendo que depois de algum tempo o efeito é cumulativo. O fenômeno
 é causado por uma substancia presente na saliva do inseto, injetada durante a picada”...
     Já pensou se fosse verdade? Estaria resolvido o problema da dengue, da malária, da febre amarela e outras tantas doenças, pois os pernilongos seriam caçados impiedosamente até sua extinção.


20- O jogador
     Passava parte das noites jogando e ia dormir já de madrugada. E quando o despertador tocava, pensava: “Ah! Ganhei mais que um mês de salário. Não vou trabalhar hoje.” Ou o contrário: “Ah! Perdi mais que um mês de salário. Um dia sem trabalhar não faz diferença. Não vou trabalhar hoje.”
     E continuava dormindo.
     Bem disse Rui Barbosa: “O jogo é a lepra do vivo e o verme do cadáver”.

 21- Revoluções
      A revolução que instalou o comunismo na Rússia prometia um governo popular e instalou uma ditadura de 70 anos, deixando um saldo de 20 a 30 milhões de soviéticos assassinados.
      A Revolução Francesa inspirou a maioria das subseqüentes e foi uma carnifi cina em seqüência, em que cada facção que ascendia ao poder assassinava os dirigentes anteriores. Houve o caso de uma menina de 12 anos que foi guilhotinada, acusada de ser “Inimiga do Estado”.
     Até mesmo na Revolução de 64 foram extintas as liberdades individuais, o direito do voto, a atuação do Congresso e institucionalizou-se a censura.
      É como já dizia Toynbee: “Cuidado com as revoluções. Elas geralmente realizam aquilo que condenam”.


22- O ANJO
      Era Médico. Neurologista.
      Em seu tempo especializara-se na Doença de Parkinson.
      Tratou de muitos portadores da doença, alguns completamente
sem recursos. Desses não cobrava e lhes reservava
todas as amostras grátis que conseguia.
      Por vezes comprava os medicamentos com seu dinheiro e
os entregava aos necessitados. E não foram poucas às vezes
que atendeu seus pacientes à noite e aos domingos e feriados.
      Foram trinta anos de trabalho e dedicação.
      E, quando morreu, os que foram ao seu velório afirmam
que, num determinado momento, seu caixão começou a
tremer e dele saiu, flutuando suavemente, um ser resplandecente,
com duas grandes asas às costas. Era o médico, que havia se tornado anjo, e que ascendia aos céus.


23- QUANDO PARAR DE TREPAR
      Cedo ou tarde temos que parar de trepar. Alguns após ler
esse artigo, outros na hora da morte. Se não quer arriscar-se
a parar, não leia o restante, pare agora.
      E quem deve parar de trepar?
      Primeiramente aqueles cujo bilau se recusa a funcionar.
     Ou todos os que não funcionam há tanto tempo que a piroca
até enferrujou. Nesse caso ainda há uma possibilidade,
desde que a companheira tome uma antitetânica antes da
trepada.
     Também devem parar de imediato os que fazem uso do
viagra e que, devido a isso, já tiveram dois ou mais infartos.
     Todavia, a decisão fica a critério de cada um. Pois há quem
prefira morrer de pau duro que viver de pau mole.
     Mas não precisa parar de trepar quem trepa somente uma
vez ao ano. Já está quase parado mesmo. Nesse caso o que
importa é com quem trepar: com a companheira de longa
data ou com uma guria de vinte anos.
     Mas cuidado. Sua companheira pode retaliar e trepar,
pelo menos em pensamento, com aquele surfista da novela
ou com o Richard Gore. E você jamais saberá o que passou,
pois esse é um segredo muito bem guardado. Elas nunca
dizem o que estão pensando quando suspiram por algum
galã. Nem mesmo nas confidencias para outras mulheres.


     
24- O BÊBADO
      Chegou em casa de madrugada, completamente bêbado
mas com a firme intenção de não acordar a esposa.
      Bem, não tão firme assim.
      A muito custo conseguiu abrir a porta. Só estranhou a altura
da soleira. Ainda não havia notado o quanto era alta.
      Deu dois passos e tropeçou no gato. Não caiu porque se
escorou na parede. Estranho. A parede parecia mover-se.
      Devia ser efeito do álcool.
      Nesse momento o relógio da sala começou a dar as horas.
      Temendo que acordasse sua mulher, desligou o relógio.
      Seguiu então para o banheiro e se aliviou no vaso. Após,
foi sorrateiramente para o quarto do casal e deitou-se suavemente
ao lado da esposa, sem mesmo tirar a roupa. Depois diria que era para não acorda-la.
     De manhã, lá pelas dez horas, levantou-se, satisfeito por
ter sido discreto. Só não entendeu porque acordara deitado
no tapete, ao lado do cachorro e só de cuecas.
    Vestiu-se, foi à cozinha tomar café e disse à esposa:
     — Bom dia. Cheguei tarde e não quis te acordar.
    Ao que ela respondeu:
    — Não me acordarias se não tivesse entrado pela janela,
pisado no rabo do gato, derrubado todos os livros da estante
e torcido o pescoço do cuco. E mais:
   — Entraste no meu guarda-roupa, mijaste no meu melhor
chapéu, tiraste a roupa depois de cair três vezes e dormiste
no tapete, ao lado do Totó, que só não foi esmagado porque
é esperto. Muito mais esperto que você. Por isso não me venha
com essa história de que não quis me acordar.



25- O BICHO
      Gostava de provocar as crianças.
      Certa vez estava almoçando com a família em um restaurante
quando chegou outra família — com uma criança de
uns dois a três anos. Escolheram uma mesa próxima e fizeram
o pedido. E a criança não parava. Parecia hiper-ativa.
      Ora corria, ora pulava numa perna só; as vezes gritava, as
vezes cantava. Não parava quieta.
      Resolveu provoca-la.
      Quando passou por perto, certificou-se de que ninguém
estava olhando e fez-lhe uma careta.
      E o resultadofoi inesperado. Correu para o colo da mãe gritando: o bicho, o bicho.
      E apontava para o provocador.
      E a mãe levantou-se e dirigiu-se ao “bicho”, o qual, prevendo
um esculacho, encolheu-se todo.
      E novamente o inesperado.
      Ao invés da bronca esperada, a mãe da criança pediu mil
desculpas dizendo:
      — Mil perdões senhor. Ela nunca fez isso antes. Não entendo
porque está agindo assim.


26- O PERFIL DO BRASILEIRO
      Vivemos atualmente atolados na lama de uma enxurrada
de falcatruas como dantes nunca visto e atribuímos a maior
parte da culpa aos políticos, esquecendo — ou não esquecendo
— que nos os colocamos lá e que eles são uma amostragem
de nossa sociedade.
      Senão vejamos.
      Alguns ditados populares:
      — “Achado não é roubado”; e
      — “Quem rouba ladrão tem cem anos de perdão”;
      “Robauto”: todos sabem onde fi ca, sabem que os produtos que lá se vende é roubado mas vão lá. Para comprar;
      “Eu quero é levar vantagem”— frase atribuída a Gerson,
jogador de futebol;
      “Jeitinho brasileiro”, que atua em toda a faixa da moralidade;
      “Rouba mas faz” — mote de campanha de vários políticos;
      “Roubo de cargas de caminhões”, todos por encomenda;
      O termo malandro não é pejorativo e otário é quem segue
as regras;
      “Sou, mas quem não é?”— frase que foi amplamente empregada por um famoso humorista; e
      Por último, mas igualmente importante, a máxima, usada
até pelo presidente: “todo mundo faz”.

27- CANÇÃO DE NINAR 

       Foi para os EUA e lá arranjou trabalho de “baby seater”
para crianças pequenas.
      E os pais se impressionavam de como ela os fazia dormir
com suas canções de ninar.
      Um dia os pais de uma das crianças pediu-lhe que escrevesse
as canções em inglês.
      Só então se deu conta de que não poderia fazê-lo:
      “Nana neném que a cuca vem já - já...”;
      “Samba Lelê está doente, está com a cabeça quebrada, Samba Lelê precisava, é de umas boas lambadas...”;
      “Boi, boi, boi. Boi da cara preta. Pega esta criança que tem
medo de careta...”; e outras mais no melhor estilo de terror
infantil.
      Uma herança do tempo da escravidão.


28- CONSELHOS PATERNOS
      Ainda se lembrava dos conselhos que o pai lhe dava:
      Nunca discuta com ignorante. Você perde;
      Deixe sempre uma saída para poder escapar;
      Não brigue. Mas se brigar, bata para valer;
      Na duvida, faça;
      Se alguém te intimida, imagine-o criança de calças curtas;
      Dinheiro que vem fácil, vai fácil;
      Ninguém é totalmente desprovido de poder e ninguém
tem poder absoluto;
      O poder é exercido com a mão que afaga e com a mão
que pune;
      Quem não acredita em Deus já acredita em alguma
coisa; e
      Não fale mal de ninguém.
      E sua mãe acrescentou:
      — Meu fi lho! Voe baixo e devagarzinho.


29- TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA
      Não se acertavam.
      Resolveram então elaborar um “Termo de Ajuste de Conduta”.
      Proposta dela:
         Pode:
         Falar coisinhas românticas;
         Carinho nos cabelos e na face;
         Mordidinhas nas orelhas;
         Abraço pela frente;
         Abraço por detrás;
         Beijinho na boca; e
         Beijo de língua com abraço apertado.
         Não Pode:
            Mão nos peitinhos;
            Mão atrás;
            Mão na frente;
            Aquilo nas coxas;
            Aquilo naquilo; e
            Aquilo naquele outro.
            Depois de Casar: pode tudo...
      Proposta dele:
             Pode tudo ... agora.

30- O PERU DE NATAL
      Cansado de ouvir seus pais dizerem que o natal de antigamente
era melhor, resolveu fazer um natal tradicional.
      E natal com tradição começa embebedando o peru. Assim
sendo, comprou um peru e o colocou no quintal. Cachaça
não precisava comprar. Tinha um bom estoque, pois era chegado
a uma pinguinha.
      E todo dia ia pessoalmente alimentar o peru. Não percebia,
mas estava afeiçoando-se ao bichinho.
      Na véspera do natal pegou uma garrafa de cachaça, duas
canecas e foi embebedar o peru. Chegou, sentou, encheu
uma caneca e a ofereceu ao peru.
      Este não se fez de rogado. Aceitou e bebeu com prazer.
      A seguir encheu a outra caneca e acompanhou o peru.
      Não demorou muito e estavam ambos de porre. E começaram
a cantar:
      — Acorda patativa e vem cantar no meu quintal.
      E o peru fazia o refrão:
      — Glu, glu, glu, glu.
      E o embebedador perguntou ao embebedado:
      — Qual é o teu nome peru?
      Ao que o peru respondeu:
      — Glu, glu, glu, glu.
      — Bonito nome seu Glu Glu. Vai mais um pouco de cachaça?
      E voltou a encher o copo do peru.
      E toca a conversar:
      — Você é um cara legal Glu Glu. E pensar que querem te
matar. Mas fica tranqüilo que não vou deixar. É como sempre
digo: peru de amigo meu é mulher, digo, amigo de minha
mulher é peru, quero dizer, peru de minha mulher é meu melhor amigo ...
      E assim passaram-se os dias.
      Não houve peru naquela ceia de natal. Nem na próxima.
      Quanto ao Glu Glu, morreu antes do natal seguinte. Morreu de cirrose hepática.
 
      Completou quatorze anos e o pai resolveu iniciá-lo na
vida sexual.
      Colocou-o no carro, arrebanhou alguns amigos e partiu
para a Zona.
      Lá chegando, apresentou o guri para as putas e disse que
estavam ali para iniciá-lo.
      E as putas não se fizeram de rogadas. Todas queriam iniciar
o moleque:
      — Que gracinha — disse uma.
      — Vem com a titia que eu vou lhe ensinar tudo — dizia
uma outra.
      — Pode me escolher que não se arrependerá — disse uma
terceira.
      E ele ali, acuado. Não estava gostando nada daquilo.
      E seu pai:
      — Então? Já escolheu?
      — Já — respondeu o rapazote.
      — Então podem ir para o quarto — replicou o pai.
      E lá se foi ele com uma puta escolhida ao acaso.
      E já estavam nus no quarto quando seu pai, acompanhado
dos amigos, abriu a porta e entrou dizendo:
      — Viemos assistir.
      Era a deixa de que necessitava.
      Subiu nas tamancas e disse, alto e a bom tom.
      — Assistir? Que historia é essa? Estão pensando que eu
sou um animal que se põe para cruzar? Não admito isso. E
tem mais. Vou embora já.
      E saiu. Depois de botar a roupa, é claro.


32- O PERFIL DO BRASILEIRO
      Vivemos atualmente atolados na lama de uma enxurrada
de falcatruas como dantes nunca visto e atribuímos a maior
parte da culpa aos políticos, esquecendo — ou não esquecendo
— que nos os colocamos lá e que eles são uma amostragem
de nossa sociedade.
      Senão vejamos.
      Alguns ditados populares:
      — “Achado não é roubado”; e
      — “Quem rouba ladrão tem cem anos de perdão”;
      “Robauto”: todos sabem onde fica, sabem que os produtos
que lá se vende é roubado mas vão lá. Para comprar;
      “Eu quero é levar vantagem”— frase atribuída a Gerson,
jogador de futebol;
      “Jeitinho brasileiro”, que atua em toda a faixa da moralidade;
      “Rouba mas faz” — mote de campanha de vários políticos;
      “Roubo de cargas de caminhões”, todos por encomenda;
      O termo malandro não é pejorativo e otário é quem segue
as regras;
      “Sou, mas quem não é?”— frase que foi amplamente empregada por um conhecido humorista; e
      Por último, mas igualmente importante, a máxima, usada
até pelo presidente: “todo mundo faz”.

33- CONSTITUIÇÃO CASEIRA
      Tinha dois filhos que brigavam mais que cão e gato.
      Para controlá-los o pai dos brigões criou uma Constituição
que só tinha dois artigos:
      Art.1- Todo poder emana do pai e por ele será exercido.
      Art. 2- Revogam-se as disposições em contrário.
      E, baseado nesses poderes, sancionou a Lei da Partilha:
      “Um parte e o outro escolhe”.
      Mas as brigas continuaram.

34- A REUNIÃO DO CONDOMINIO
      A primeira a chegar foi a sindica. Verificou se tudo estava
nos conformes, desde as cadeiras e bancos para todos sentarem
até os documentos necessários para a discussão da pauta.
      Aos poucos foram chegando os condôminos. Sempre os
mesmos. E cada qual pertencente a um grupinho. Havia três
grupinhos: os a favor da sindica, os contra e os muito pelo
contrário. Além desses havia também o “bode expiatório da
vez”, uma condômina.
      Cada um dos presentes com sua marca registrada: uns extrovertidos, falantes, emocionais; outros introvertidos, calados
e ensimesmados; uns com opinião formada, outros sem
opinião; uns sóbrios, outros ligeiramente calibrados — mas
todos preparados para participar — ou quase.
      Para decidir quem presidiria a assembléia foi difícil. Para
esse tipo de participação não havia voluntários.
      Após meia hora de marchas e contra-marchas, um dos presentes aceitou a função e, tomando assento disse:
      — Atenção pessoal. Vamos começar.
      E nada. Continuavam todos a conversar.
      E o presidente, alterando a voz, quase gritando:
      — Assim não é possível. Ou colocamos um pouco de ordem
no recinto ou não será possível decidir nada. E todos sabem
que estamos aqui para decidir vários itens que dependem
do voto da maioria.
      Nesse momento um dos presentes emitiu o primeiro “peço
a palavra”. Atendido, afirmou:
      — É necessário ler a ata da ultima assembléia.
      E o presidente, visivelmente contrariado:
      — Não é necessário, pois a ata dessa assembléia foi amplamente difundida.
      Ao que o pedinte retrucou: 
      — Consta na convenção do condomínio que é para ler.
      — Não é.
      E começou o bate-boca. Um outro condômino observou
que, se assim fosse, não seria necessária a assembléia. Bastaria
consultar a convenção.
      Outro grupo discutia em paralelo, mas não se entendia do
que falavam e muito menos o que falavam.
      E a exaltação foi crescendo. Um dos presentes retirou-se
resmungando:
      — Eu sabia que ia dar nisso. Bagunça pura. Ninguém se
entende. Não sei por que ainda venho a essas reuniões.
      Enquanto isso, duas condôminas retomavam uma discussão
antiga, já aos berros. E não demorou muito para que se engalfinhassem, o que acionou, de imediato, a “turma do
deixa disso”. Alguém sugeriu que deixassem as duas se estapearem,
o que gerou uma discussão generalizada.
      Enquanto isso o presidente levantou-se, saiu do recinto e
foi embora.
      E ninguém notou.
      E nem podiam, pois estavam todos ou se protegendo ou
devolvendo impropérios e bofetões.


35- PARECE MAS NÃO É
      O vôo de uma companhia comercial fazia a rota Rio - Brasília
quando o primeiro piloto avistou um objeto brilhante,
à esquerda e no nível. Perguntou se alguém mais estava vendo
e confi rmaram: toda a tripulação e todos os passageiros
estavam observando aquela aparição.
      O piloto em comando entrou, então, em contato com o
Centro de Controle, relatou o fato e perguntou se havia alguma
outra aeronave na tela do radar que correspondesse
àquela descrição. O controlador respondeu que não e solicitou
mais detalhes, pedindo ao piloto que descrevesse a
direção e a altitude exatas em que avistava o objeto, ao que
o piloto respondeu:
      — Nove horas no nível.
      A seguir o controlador chamou outro comercial que estava
na mesma rota, quatrocentos quilômetros atrás, e perguntou
se avistava o objeto e qual a direção e a altitude exatas
em que o avistava. E o piloto dessa aeronave respondeu:
      — Nove horas no nível.
      De posse dessa afirmação, o controlador deu por encerrada
a conversa, pois ficou configurado um erro de paralaxe, o
que significa que tal “objeto” se encontrava a uma distância
planetária.
      Todavia, como o controlador não esclareceu o fenômeno
aos tripulantes e passageiros de ambas as aeronaves, esses
espalharam a noticia, que veio a ser divulgada pela mídia.
      Posteriormente o observatório de astronomia do Rio de
Janeiro veio a esclarecer que provavelmente tratava-se da
imagem do planeta Vênus, ampliada por uma inversão térmica
que havia naquela região.
      Eis aí um caso de falsa confi rmação, em que nós, seres humanos, “arredondamos” a realidade, de forma que possamos
lidar com ela.
     

36- ANIMAIS DOMÉSTICOS
      Um psicólogo tinha em sua casa um carneiro, um pato e
uma pata.
      O carneiro apaixonou-se pelo pato e não lhe dava sossego.
      Queria transar a qualquer custo. E o pato não concordava.
      Não colaborava.
      A pata, por sua vez, ficou choca e não saia do choco.
      E, como se não bastasse , havia ainda um cachorro viralatas
que se chamava Bozó Bodó de Toné.
      Casa de ferreiro, espeto de pau; casa de psicólogo, nem
tudo é normal.

37- O BICHO PAPÃO
      Era feio.
      Mais que feio — era horroroso.
      Quando saia à rua todos se afastavam e alguns se escondiam.
      Menos os cachorros que corriam atrás, latindo.
      Certa vez um circo se apresentou na cidade e o feioso foi
visitá-lo.
      Não prestou:
      O leão fi cou acuado a um canto da jaula e passou uma
semana sem comer.
      A girafa enfiou a cabeça num buraco no chão e, a partir
de então desenvolveu um complexo de avestruz.
      O elefante disparou numa carreira desenfreada e não parou
até hoje.
      O galo já não mais anuncia o alvorecer e adotou uma postura
de galinha — quer chocar a todo custo.
      Até mesmo a preguiça virou macaca, pulando de galho
em galho.
      O dono do circo bem quis ajudá-lo, contratando-o para
uma apresentação. Mas não deu certo. Foi ele pisar no picadeiro
e a platéia evaporou-se, escafedeu-se.
      Mas era útil para algumas coisas.
      A cidade tinha as crianças mais bem educadas do mundo e
todos se orgulhavam disso. Também, bastava a mãe ameaçar
com o Bicho Papão e eram prontamente obedecidas.
      Mula empacada desempacava na hora — bastava vê-lo.
      Cachorro louco, ao avistá-lo parava de babar e ficava curado.
      Mas não mais latia — somente gania.
      E sentia-se muito só, sem amigos, sem namorada, sem ter
com quem conversar.
      Até que um dia conheceu uma ceguinha que morava
numa cidade próxima.
      Namoraram, casaram e tiveram lindos fi lhos.
      Mas havia um trato.
      O feioso a fez prometer que nunca, mas nunca mesmo,
passaria a mão no seu rosto.
      E assim foi e melhor não poderia fi car.


38- VOTO PLENO
    Certa feita o governador do Rio foi inquirido por um seu
eleitor porque não havia o “Voto Pleno’”.
      E explicou:
      — Muitas vezes há um candidato do meu agrado e voto
nele, o que equivale a dar-lhe um ponto. Mas às vezes não
gosto de nenhum e há um que execro. Gostaria, nesse caso,
de “vetá-lo”, ou seja, tirar-lhe um ponto. Acredito que, dessa
forma, eu estaria exercendo integralmente meu direito
de escolha.
      Ao que o governador respondeu:
      — Não tenho conhecimento de nenhum país que adote
tal sistema. Aliás, em quarenta anos de política num ouvi
falar nesse procedimento. Mas posso lhe adiantar que difi
cilmente será adotado, pois não interessa a nós, políticos.
     

39- COISAS DO SAMBA
      Um carnavalesco conversava com outro, enquanto esperavam
a hora do desfile.
      — Pois é — disse o primeiro. No ano passado conheci um
coroa aqui na passarela do samba, que era muito legal. Batemos
um papão e, lá pelas tantas, o coroa me convidou
para tomar um “scot” legítimo no seu apartamento. Fiquei
desconfi ado, mas um “scot” é um “scot”. E afinal tenho vinte
anos de samba.
      Aceitei o convite e fui. Lá chegando, o coroa serviu dois
“scot” no capricho, pôs uma musiquinha e se foi para dentro
para colocar algo mais confortável.
      E eu, ó, desconfiado. Afinal, são vinte anos de samba.
      E depois, e depois — inquiriu o outro, ansioso.
      Ao que o primeiro respondeu:
      — Malandro, o coroa tinha trinta anos de samba.


40- COISAS DE CIENTISTAS
      Eram técnicos altamente qualificados — ou melhor dizendo,
cientistas. E, como tais, tinham espírito investigativo
mais desenvolvido que o comum dos mortais.
      Na ocasião transcorria a Guerra Fria, com seus estereótipos
e preconceitos.
      Assim, quando foram designados para uma reunião de
trabalho num pais comunista, embarcaram com um certo
receio. Ainda mais que lhes recomendaram que fossem discretos.
      Em lá chegando, foram recepcionados no aeroporto e levados
a um hotel - uma bonita construção em pedra, madeira
e vitrais. Após preencherem o registro, um camareiro foi
designado para conduzi-los aos seus aposentos.
      Logo que entraram no quarto avistaram um calombo bem
no meio do aposento, encoberto por um tapete. Dispensaram
o camareiro e, assim que esse se retirou, passaram a se
comunicar em dois níveis: falavam banalidades e escreviam
outras coisas em um bloco de papel:
      — O que é isso — escreveu o primeiro.
      — Microfone — arriscou o segundo.
      — O que faremos — escreveu o terceiro.
      — Vamos desmontar — replicou o primeiro.
      E da palavra passaram à ação.
      Logo apareceu um canivete suíço de enlouquecer escoteiro.
      Enrolaram o tapete, deixando à mostra uma calota de
metal presa com três parafusos. Foi difícil soltar os parafusos,
pois esses estavam apertados e a ferramenta era improvisada.
      Mas conseguiram.
      E, imediatamente após, ouviu-se um estrondo.
      Haviam soltado o lustre do saguão.


41-PRONOMES PESSOAIS
      O Bode Expiatório brasileiro por excelência, presente
na maioria das conversas mais serias, é o pronome pessoal
“eles”.
      “Eles” — e não “Elas” — são culpados de tudo que dá errado
ou de que não gostamos.
      “Eles” são as pessoas que tem ou parecem ter o poder de
decidir tudo aquilo que julgamos importante;
      “Eles” são seres humanos indefinidos e inomináveis;
      “Eles” são onipresentes. Estão presentes em várias conversas
ao mesmo tempo;
      “Eles” são anônimos, mas têm, presumidamente, poder
para melhorar as coisas e resolver os problemas, e só não o
fazem porque não querem.
      Já o “Ele”, no singular, é perfeitamente identificado e indica
uma terceira pessoa — se bem que, às vezes, indica a
primeira pessoa do singular: — “Ah! Ele”— referindo-se a si
próprio. Mas é considerado pedantismo.
      E, da mesma forma, não se deve abusar do “Eu”, sob pena
de ser considerado egocêntrico ou auto-centrado. Já o “Te”,
o “Ti” e o “Tu” são propriedade dos gaúchos que os usam e
abusam.
      Há, ainda, o conciliador “Nos”, presente no dia-a-dia nacional,
geralmente em oposição ao “Eles”. Vale lembrar que
o “Nós” refere-se aos bons, aos que estão certos e com a
razão, enquanto o “Eles” refere-se aos maus e aos que estão
errados, aos que não tem razão.
      E, por último mas não menos importante, há, ainda, o
“Elas” consubstanciado num grupo só de mulheres — havendo
um só homem, o “Elas” de imediato passa a “Eles”.
      Afinal, vivemos num patriarcado.


42- O PUXA-SACO
      Eram três agregados que gostavam de puxar o saco — da
sogra, é claro.
      E competiam entre si pelo titulo de melhor puxa-saco. Um
deles, que chamaremos de Fagundes, quando descobriu que
havia o dia da sogra, não teve dúvidas. Ao primeiro minuto
do dia aprazado, discou para a sogra para lhe dar os parabéns.
      Logo a seguir telefonou para seus concunhados perguntando
se já haviam cumprimentado a sogra.
      De outra feita, nas comemorações de fim-de-ano, fez um
breve discurso elogiando a sogra e sua irmã gêmea.
      Mas superou-se em outro fim de ano quando discursou:
      “..... há pessoas predestinadas, que vivem para elevar a
espiritualidade de nós outros, simples mortais. É o caso de
Jesus Cristo que veio para nos trazer o amor; de Buda, que
nos trouxe a iluminação; e da minha sogra, que veio para
trazer a sabedoria para a humanidade...”
      Foi considerado imbatível. E acabou-se a competição.


43- CONVERSA DE BEBADO
      Um bêbado encontrou outro caído no chão.
      — Ô Zé! O que tu tá fazendo aí no chão? — perguntou o
cambaleante.
      — Pois não está vendo? Estou procurando a chave de minha
casa — respondeu o caído.
      — Você a perdeu aqui? — perguntou o cambaleante.
      — Não — respondeu o caído. Mas aqui está iluminado.
Quer me ajudar?
      — Não vai dar — explicou o cambaleante. Minha casa já
passou uma porção de vezes e tenho que pega-la antes que
amanheça. Mas fazemos o seguinte. Eu jogo minha chave
no chão e você a encontra. Depois você me ajuda a segurar
minha casa quando ela passar outra vez.
      — Está certo — respondeu o caído. Mas antes vamos tomar
a saideira. Essa eu pago.
      — Está bem. Mas a derradeira é por minha conta — retrucou
o cambaleante.
      — E a última deixa comigo — retorquiu o caído, ficando
de pé a muito custo.
      E lá se foram eles.
      Cambaleando.


44- ANIMAL PEÇONHENTO
      Havia um planeta distante, pertencente à outra galáxia,
que abrigava uma civilização muito avançada. E, como eles
acreditavam que todo ser vivo tinha uma razão de ser, adotaram
o procedimento de não eliminar ou extinguir nenhum
desses seres, por mais daninho ou peçonhento que pudesse
ser.
      Mas havia um animal que era terrível e que incomodava
muito. Assim, deliberaram a respeito e decidiram que iriam
eliminar esse animal, mantendo somente um casal que seria
enviado a um planeta que tivesse condições de vida semelhante
ao que estavam acostumados. Caso viesse a ser necessário,
bastaria buscar um ou mais exemplares.
      E, como tinham por hábito dar nomes a todos os seres,
batizaram o macho de Adão e a fêmea de Eva. E os enviaram
para o terceiro planeta do sistema solar, nas fimbrias da Via
Láctea, o qual batizaram de Planeta Terra.
      Reza a lenda que nunca foi necessário buscar um descendente
— nem para remédio.


45- O UMBIGO
      Era um dia típico de verão e a praia estava cheia de mulheres
bonitas apanhando um bronzeado e exibindo seus corpos esculturais.
      Mas havia uma dessas beldades que chamava mais a atenção.
      Todos que passavam perto eram como que atraídos e
não sabiam o porquê. Havia alguma coisa de diferente, de
insólito. Mas o que?
      Até que um banhista mais perspicaz atinou com o quê.
      Ela não tinha umbigo.
      E logo a notícia se espalhou.
      E a explicação mais aceita é de que se tratava de alguma
operação que, por algum motivo, eliminou o umbigo.
      Pois ninguém nasce sem umbigo.
      As únicas exceções são Adão e Eva, que não foram gerados
no ventre materno. Não houve cordão umbilical e, conseqüentemente, não houve umbigo.
      Mas, apesar disso, vários pintores retrataram Adão e Eva
com umbigo em suas pinturas.


46- CARTA À DOENÇA DE PARKINSON
      Tinha Parkinson e aceitava bem a doença. Assim é que
escreveu uma carta para a sua Doença de Parkinson:
      “Cara amiga e companheira”.
      Já se passaram alguns anos que caminhamos juntos pela
jornada da vida e ainda te conheço pouco.
      No início eu nem mesmo a percebia. Pois chegaste sussurrando
e de mansinho. E eu não queria tua presença e queria
te expulsar. Mas chegaste para fi car.
      Nunca me dirigiste a palavra e demorei a perceber que
sua natureza é outra, e que é outro seu linguajar. Queria
porque queria que falasses como eu e consultei um intérprete.
      E o tenho contratado desde então.
      Mas hoje já entendo quase tudo o que tu falas.
      Hoje sei que, para te entender, preciso estar livre dos preconceitos e totalmente aberto ao diálogo.
      Hoje eu compreendo que nosso destino é trilharmos juntos
a jornada da vida.
      Hoje eu compreendo que tenho muito o que aprender
contigo.
      Hoje compreendo que não és uma professora formal, pois
na verdade não ensinas tal como conhecemos o ensino. Teus
ensinamentos são muito mais profundos e abrangem a totalidade.
      E nada tem a ver com a realidade tal como a concebemos.
      Hoje eu te respeito, te admiro e te considero uma amiga.
      Amiga e companheira de jornada.


47- QUEIXO CAÍDO
      A cidade era tão pequena que não tinha médico nem hospital.
      Havia uma só farmácia e um farmacêutico que fazia às
vezes de médico. Qualquer problema com a saúde, quer fosse
doença ou ferimentos, ele procurava resolver da melhor
forma possível. Pois não havia outra alternativa.
      E havia casos complicados, como o de um caboclo que apareceu com o queixo caído. Como o farmacêutico ouvira dizer
que o encaixe do maxilar requeria posiciona-lo e aplicar um
soco, não teve duvidas. Avisou o caboclo que iria doer um
pouco, posicionou o maxilar como achava que devia ser e
esmurrou. E nada. Esmurrou novamente e nada.
      Lá pelo quarto soco o caboclo aloprou e deu um direto
que quebrou o nariz do farmacêutico.
      E foi embora de queixo caído mesmo.
     
    
31- INICIAÇÃO

terça-feira, 9 de novembro de 2010

COMPANHEIRA DE JORNADA

Companheira de Jornada - Parkinson
I-  Prefácio

Fui diagnosticado como portador de Doença de Parkinson no dia 8 de dezembro de 1989, ou seja, há mais de 20 anos.
Minha intenção é retratar como estou, atualmente, e, para isso, preciso referir-me, também,  à minha vida  antes de a doença se manifestar.
A vida é movimento. Vem daí por que a Doença de Parkinson (DP) incomoda tanto: ela é um “distúrbio do movimento”. Ela nada mais é que uma carência de dopamina, uma substância que propicia a ligação entre as várias regiões do cérebro que controlam os movimentos. Em consequência, alguns movimentos ficam instáveis ou lentos.
Como, em mais de vinte anos com a DP, permaneço ativo, independente e participativo, resolvi colocar minha vivência no papel, no intuito de ajudar outros portadores.
Espero que você, leitor, sendo portador, tire proveito de minha experiência.


Companheira de Jornada - Parkinson
II-  Antecedentes

Tive uma infância atribulada.
Nasci em Taubaté, no interior de São Paulo, mas passei a infância e a adolescência em Tremembé, cidade vizinha que, à época, era um misto de ambiente rural e urbano.
Morava em uma chácara com meus pais e minhas cinco irmãs.  Havia frutas diversas, verduras, porcos, vacas, cavalos, cachorro, gato, galinhas, coelhos e até gambá.
Gostava E participava da lida diária, levantando cedo para tirar o leite de duas vacas que davam mais de trinta litros em duas tiradas – uma de manhã e outra à tarde.
No entanto, era arteiro, também. Aprendi a nadar na enchente da várzea. No início, seguia meus amigos, segurando um tronco de bananeira. Depois que aprendi, ia a nado. Nadava, também, no rio Paraíba.
Um dia, estávamos na margem, quando ouvimos alguém berrando por socorro. Entramos na água e fomos para lá. Era um sujeito grandão, bem maior do que nós. Estava com câimbra e precisava ser rebocado. Foi só um de nós se aproximar, e ele se agarrou. Foi preciso ir ao fundo, para que ele largasse. Resolvemos que era necessário nocauteá-lo e começamos a socá-lo. Mas ele não cooperava. Não desmaiava.
Foi, então, que avistei um tronco de bananeira vindo em nossa direção. Pegamos o tronco e o levamos até ele que, a essa altura, não sabia se ficava agradecido ou furioso. Assim, fomos levando o sujeito até próximo à margem e nos mandamos – por via das dúvidas.
Por esse tempo, consegui meu primeiro emprego: entregador de leite.  Começava a entrega às sete horas, trabalhando até o meio dia, fizesse sol ou chuva. Quando chovia, continuava como se não houvesse nada. E nunca sequer fiquei resfriado.
Montei, com o auxilio de dois outros amigos, uma academia de ginástica improvisada. Essa prática aumentou bastante minha força. Havia um peso de quarenta e dois quilos que eu levantava com apenas um braço.
Foi, então, que prestei exame para ingressar na Escola Preparatória de Cadetes do Ar (EPCAR) e passei.
Em consequência, fui dispensado de servir o Exército e segui para Barbacena onde pretendia fazer o serviço militar e voltar para Tremembé. Queria ser fazendeiro, mas meu pai vendeu a fazenda.  Decidi, então, estudar, pois precisava de uma profissão. A ideia de vir a ser piloto militar me agradava.
Passei dois anos na EPCAR, e segui para a Escola de Aeronáutica, no Rio de Janeiro  -RJ. De lá, fui para a Academia da Força Aérea (AFA), em Pirassununga - SP, onde me formei Oficial Aviador.
A seguir, fui classificado em Canoas – RS, para estágio de piloto de ataque.
Lá conheci e casei com Maria Laura que hoje é, também, minha cuidadora.
Tive um acidente grave, pilotando um NA-T6, em que não  me machuquei, porém, devido a uma série de encontros e desencontros, deram-me por morto, inclusive comprando um  caixão para mim. Para quem quiser ler toda a história, e outras mais, basta solicitar-me o envio de meu livro “O Rabo do Macaco e Outras Histórias”, por e-mail (parkinsonbsb@gmail.com). O preço é de R$ 20,00, a serem pagos após o recebimento.
De Canoas, fomos para Belém – PA, onde passamos oito anos. Lá eu pilotei aviões de ataque, de ligação e observação, e helicópteros. A maior missão que participei, por essa época, foi a do RADAM, que consistia em realizar um levantamento da Amazônia quanto ao potencial vegetal, mineral e da composição do solo.
Por essa época, fiz uma viagem ao Amapá quando, andando pela pradaria, “peguei” uma penca de micuins, um carrapato muito pequeno, difícil de eliminar. “Inteligentemente”, criei um método infalível para me livrar desses insetos: coloquei a roupa para ferver e passei detefon pelo corpo.
Como o detefon é uma substância altamente tóxica, esse episódio pode  ter sido um fator contribuinte para minha DP.
De Belém fomos para Brasília, onde pilotei HS e Xingu, aeronaves de transporte VIP. Dois anos depois fomos para o Rio a fim de realizar um dos cursos da carreira.
Após o curso fui, novamente, classificado em Brasília, de onde sai para realizar o curso de Política e Estratégia Aeroespaciais. Esse curso foi muito interessante: passávamos os dias num pequeno auditório, por onde desfilavam ministros de estado, governadores, políticos e outras autoridades, cada um falando de sua área de atuação. Com os dados levantados, fazíamos a avaliação da conjuntura, para o planejamento anual do Ministério da Aeronáutica (didático).
De volta a Brasília, fui designado Adido Aeronáutico no Uruguai, para onde seguimos Maria Laura, eu e, posteriormente, meu filho Sérgio.
No regresso, já com trinta e quatro anos de serviço ativo, pedi a reserva e nos instalamos em Brasília – Maria Laura, Sérgio e eu. Ambos são psicólogos e têm clientela em Brasília.
Meu filho Cláudio permaneceu em São Paulo, onde é professor em uma escola suíça, e tem um filho, nosso neto, que está hoje com quatro anos. Em Brasília, temos uma neta por adoção, que está com três anos. Paparicamos ambos. Afinal, os pais educam, e os avós deseducam, não é?



Companheira de Jornada - Parkinson
III-  Diagnostico

Olhando para o passado, é fácil identificar os sinais e sintomas da DP. Os primeiros sinais são tão sutis que o portador e as pessoas que convivem com ele, no dia-a-dia, não se dão conta. Muitas vezes um amigo ou conhecido mais afastado é quem repara e faz observações do tipo: “Você balança mais o braço esquerdo ao caminhar”.
Foi o que aconteceu comigo.
Outros sintomas, ditos precoces, foram:
- a anosmia, uma deficiência olfativa que apareceu em algum momento distante;
- a prisão de ventre, também de longa data;
- quando eu espirrava a mão direita chacoalhava. E eu achava divertido;
- estava treinando para correr a maratona e não conseguia passar dos dezesseis quilômetros. Já era o Parkinson se manifestando;
- adquiri um relógio de pulso do tipo que dá corda com o balanço do braço. Funcionava bem no braço esquerdo, mas não no direito. Era o efeito “Rolex”; e
- a escrita foi ficando lenta, a ponto de não conseguir fazer as anotações das instruções de vôo em tempo real. Foi esse sintoma que nos levou a procurar um neurologista, o qual, após os exames de rotina, vaticinou: “Cel.,o senhor tem Parkinson”.
Ficamos atônitos. Voltamos para casa sem dizer uma só palavra e fomos dormir. Já era a negação da doença, a qual só terminou depois que consultamos mais cinco ou seis médicos neurologistas e todos foram unânimes: “É Parkinson”.
Essa fase da negação da doença foi bem definida. Já a da revolta e a da depressão foram episódicas. E, os poucos, fui construindo a fase da aceitação. Para isso, contei com a ajuda de Maria Laura, com seus conhecimentos de psicologia, que me ajudaram a identificar e combater a depressão; com seu pragmatismo do tipo “O que não tem solução, solucionado está”; com o que ela denomina “inofensividade”, que consiste em não falar mal de ninguém; e de outros artifícios de que falarei mais adiante.
Tenho por mim que meu estado de saúde, depois de vinte anos de Parkinson, pode ser considerado excelente. Creio que isso é resultado de uma combinação de fatores: o acompanhamento médico, a cirurgia, os procedimentos e uma postura de vida.


Companheira de Jornada - Parkinson
IV-  Tratamento medicamentoso

 Estou com meu neurologista, Dr Nasser Allam, há mais de quinze anos. Na verdade, se não descontarmos os dois anos que passamos no Uruguai, onde fui designado Adido Aeronáutico, daria dezessete anos.
O Dr. Nasser pertence ao time dos que crêem que o levodopa não tem efeito neuroprotetor e que, com o evoluir da doença, seu efeito vai diminuindo, o que requer doses cada vez maiores e diminuição do intervalo entre as dosagens. Sua estratégia para comigo é de parcimônia, no uso do levodopa, complementando sua carência com “agonistas da dopamina[1]”.
Creio que essa postura do Dr Nasser contribuiu, em grande parte, para que eu alcançasse vinte anos de diagnosticado, mantendo minha independência e com um bom estado físico e mental. Foi ele quem me convenceu a criar uma associação de parkinsonianos,  em Brasília.
A julgar pelos medicamentos que tomo, que permanecem na mesma dosagem, há mais de dois anos, parece que a doença estacionou. É necessário, contudo, aprofundar essa análise, pois há outros fatores intervenientes: o uso da razagilina; a cirurgia; a ênfase nos procedimentos e a postura de vida. A julgar pelos sintomas, se estacionou, foi parcial, pois alguns sintomas, como os relativos à fala, continuam a evoluir.

 

[1] Os agonistas dopaminérgicos são drogas importantes no tratamento da DP, à medida que estimulam, diretamente, os receptores dopaminérgicos e, com isso, substituem, em parte, o levodopa, sem provocar flutuações motoras e/ou discinesias.


Companheira de Jornada - Parkinson
V-  Tratamento cirurgico

Fui diagnosticado como tendo a DP há 20 anos, e fiz a cirurgia de Estimulação Cerebral Profunda - ECP[1], há três anos. Ou seja, contava, na época, com 17 anos de diagnosticado e 61 anos de idade.
Quem primeiro sugeriu que fizesse a cirurgia foi o Dr Nasser Allam, comentando,  várias vezes,  que seria  benéfica para mim.
Como eu desejava saber como estava sem a máscara dos medicamentos, ingeri uma overdose de proteína de origem animal[2] para simular a retirada dos medicamentos, ocasionando o aparecimento de  mais de 20 sintomas motores e não-motores (tremor; rigidez, evidente no lado direito do rosto; fenômeno “on/off"[3]; fenômeno “freesing"[4]; discinesias[5]; problemas com a fala e com a deglutição; dores nas costas e lombares; distonias[6]; anosmia[7]; sialorreia[8]; seborreia; coreia[9]; dificuldades com o equilíbrio; queimação no estômago; prisão de ventre; mioclonias[10]; dificuldade de dormir, não conseguindo atingir o sono REM; micrografia; dificuldade para levantar e iniciar a marcha; fala mais baixa; sudorese[11] e gritos espontâneos. Na ocasião, tomava cerca de 1000 mg de Levodopa, por dia,  já  próximo do limite – necessitava de uma dose ligeiramente maior, mas o aumento do levodopa aumentava a discinesia.
Decidi, então, fazer a operação. Procurei e obtive todo o apoio da FAB, inclusive financeiro, cobrindo os custos da cirurgia, além de acompanhar o caso com interesse.
Em consequência, no dia 22 de março de 2007, dirigi-me ao Instituto de Neurologia de Goiânia para realizar a ECP, a ser conduzida por um neurocirurgião, Dr Luiz Fernando Martins.
Para os que não sabem, trata-se de uma operação para o implante de um eletrodo em determinado alvo, em um ou nos dois lados do cérebro (no meu caso, nos núcleos subtalâmicos, os quais são hoje alvos quase que exclusivos).
Já nesse dia, realizei uma ressonância magnética e, no dia seguinte, então sedado e com um aro metálico preso à cabeça, realizei uma tomografia computadorizada. Com os dados desses dois exames, a equipe, composta por um neurocirurgião, um auxiliar, um técnico, um anestesista e um físico navegador, realizou os cálculos necessários para a colocação dos eletrodos, exatamente no meio dos subtálamos direito e esquerdo, com um erro máximo de dois milímetros.
Com esses dados em mãos, iniciou-se a operação propriamente dita, consistindo em, numa primeira etapa, em que permaneci sedado para poder cooperar, foi realizada a trepanação e, a seguir, a condução dos eletrodos até os mencionados alvos, por meio de varetas, as quais foram, posteriormente, retiradas, permanecendo os eletrodos com os fios e os furos tamponados. O sedativo utilizado me deixou apto a cooperar, mas apagou todos os eventos desse período de minha memória.
Na segunda etapa, já anestesiado, foi colocado, por debaixo da pele do peito, o neuroestimulador com suas ligações.
Apos esse procedimento, fui conduzido ao Centro de Tratamento Intensivo onde passei a noite, num procedimento de rotina. No dia seguinte, sábado, fui retirado e levado para o quarto, tendo recebido alta logo a seguir, no domingo.
O Dr. Luis Fernando optou por manter o neuroestimulador desligado por 15 dias, devido à sensibilização provocada pela cirurgia. Nesses 15 dias, voltei a tomar os remédios, conforme a prescrição anterior.
No dia 9 de abril,  segunda feira, voltei a Goiânia e liguei o equipamento, com uma melhora surpreendente no tremor e na rigidez. Por orientação do Dr. Luiz Fernando, reduzi, drasticamente, os medicamentos, tendo permanecido com 300 mg de Levodopa, zero de Sifrol e zero de Mantidan.
Surgiu, todavia, uma forte alergia, sendo necessário o Dr Luiz retirar o restante dos medicamentos e receitar um antialérgico, informando-me que se tratava de uma reação normal. Entretanto, com a retirada dos medicamentos, alguns sintomas não relacionados com o tremor e com a rigidez se manifestaram na forma de distúrbios da marcha (festinação). Consultando meu médico, em Brasília, fui informado que, provavelmente, tratava-se de um sintoma da DP associado à noradrenalina, mas que, no caso, tinha boa resposta ao Levodopa. Receitou-me, então, uma dosagem pequena de Levodopa, ficando em observação para avaliar o resultado.
Ainda hoje, estou sem tremor, sem rigidez e com o distúrbio da marcha sob controle. Continuei com minhas atividades na APB, além de, na época, fazer estatuetas em concreto airado. Passei, também, a dormir melhor.
Logo após a cirurgia, viajava para  Goiânia de quinze em quinze dias, para ajustar o aparelho. Depois, as visitas foram-se espaçando e, hoje, vou somente uma vez por ano. O prognóstico é que deverei trocar a bateria daqui a uns cinco ou seis anos. Atualmente, está com 70% da carga.
Com o controle da rigidez e do tremor pela cirurgia, imaginava que a instabilidade postural iria requerer doses cada vez maiores do levodopa.  Isso não ocorreu. Permaneço com a mesma dosagem de medicamentos que foram ajustados em função da cirurgia. Um único medicamento foi acrescido – um comprimido de rasagilina por dia. Pelo visto, se bem gerenciada, o levodopa poderá ser efetivo por muito tempo. A literatura sobre a DP foi confirmada: essa cirurgia não atua nos problemas da fala e da deglutição. A OEP é uma boa opção para prolongar a longevidade com qualidade de vida. Contudo, não dispensa alguns outros cuidados bem conhecidos dos PDP (portadores da Doença de Parkinson).
Enfim, considero a operação um sucesso absoluto e a recomendo àqueles que tiverem as condições: pouca resposta à levodopa, mas alguma resposta.
Por falar em resposta, eis algumas perguntas que me fazem:

Pergunta:  Quais são os riscos da cirurgia?
Resposta: O risco é o inerente a toda cirurgia. Quando a cirurgia era efetuada “a céu aberto”, o risco de infecção era muito elevado. Hoje, é feita por um pequeno furo, o que torna o risco pequeno também. O outro risco é o de hemorragias, devido ao cérebro ser muito vascularizado. Contudo, as técnicas evoluíram e a contenção da hemorragia, atualmente, é mais eficaz.

Pergunta:  Dói?
Resposta: Não. A colocação do bastidor e a trepanação não devem doer muito, pois eu estava somente sedado, e não me lembro de ter sentido alguma dor ou desconforto. A colocação dos eletrodos também não doeu, pois o cérebro não possui sensores. A colocação do neuroestimulador deve doer mais, pois é feita com anestesia – e também não senti nada. O mesmo ocorreu no pós-operatório.

Pergunta: Quanto tempo dura a bateria?
Resposta: De cinco a oito anos, dependendo das regulagens. Se fosse no globo pálido, que é o alvo escolhido para discinesias, duraria menos tempo.

Pergunta: Essa cirurgia é efetiva para a “instabilidade postural?”
Resposta: A cirurgia no “subtalâmico”, que foi o meu caso, é efetiva para tremor e rigidez. Todavia, com o passar do tempo, sinto que ela atua, também, diminuindo a “instabilidade postural”. Todavia, o alvo ideal para a instabilidade é o “pendúnculo plotino”. Segundo fui informado, essa operação já está sendo feita no Brasil.

Pergunta: O que acontece se o aparelho desligar inadvertidamente?
Resposta: O aparelho vem com uma “chave” (um ímã) com a qual se liga ou desliga. Principalmente nas fases avançadas da doença, se permanecer desligado, devem aparecer os sintomas que ele encobre. A ECP não cura a doença, não evita a sua progressão; somente mascara os sintomas, que é o que necessitamos.

Pergunta:  O aparelho tem restrições ambientais?
Resposta: Sim. Você não pode fazer uma ressonância magnética, nem mesmo desligando o aparelho, sob risco de lesões graves. Também não se deve passar por portais detectores de metais. Eu só respeito os de bancos e de aeroportos. Os demais eu passo. No meio, mas passo. Os aparelhos de solda elétrica também devem ser evitados. O equipamento vem com instruções detalhadas sobre o assunto.

* * *


[1] ECP: Estimulação Cerebral Profunda. Foi realizada nos subtálamos direito e esquerdo para rigidez e tremor. Essa cirurgia tem indicações e contraindicações. Para realizá-la, é importante consultar  um médico e, se não ficar satisfeito, procurar uma segunda opinião. É uma cirurgia cara que não é realizada pelo SUS (a não ser nos casos determinados pela Justiça). Não é a cura da DP, nem há garantia de sucesso. Para saber mais, consulte ”A Doença de Parkinson”, livro organizado pelos doutores  Teive e  Menezes. Uma alternativa bem mais em conta, quanto ao preço, é a mesma operação sem o implante do neuroestimulador (cirurgia estereotáxica). Em seu lugar, “queimam-se” porções do subtálamo ou do globo pálido, o que a torna irreversível. Já a ECP é totalmente reversível, bastando remover os eletrodos..


[2] A absorção do levodopa utiliza o mesmo sistema de transporte facilitado que os aminoácidos de cadeia grande (proteína de origem animal), os quais têm prioridade na absorção.

[3] O fenômeno “on/off” é conhecido, também, como “efeito ioiô”. Os períodos “off” tendem a predominar e consistem em “desligamentos” inesperados, dentro do período de validade dos medicamentos, seguidos de “ligação” também inesperada.

[4] O “freesing” ou congelamento consiste na incapacidade de andar. O paciente dá a ordem para andar e nada acontece. Esse fenômeno dura apenas um ou dois minutos, mas é repetitivo. Um modo de contornar o problema é interromper a marcha, acalmar-se e, então, reiniciar o caminho.

[5] Discinesias: São movimentos involuntários que podem manifestar-se como coreia (tem esse nome devido à dança com a qual se assemelha), distonia (câimbras) ou mioclonias (movimentos bruscos ou tiques nervosos.

[6] As distonias são contrações semelhantes às câimbras. É uma discinesia. Aparecem, nas mãos, nos pés, nos ombros e nos quadris.

[7] É uma deficiência olfativa. É um dos sintomas precoces.

[8] A sialorreia é um excesso de saliva. Às vezes, provoca a baba, o que é constrangedor.

[9] A coreia é um tipo de discinesia. Recebe esse nome devido à semelhança com a dança de mesmo nome.

[10] As mioclonias são movimentos involuntários súbitos, de curta duração, semelhantes a choques causados por contrações musculares ou por inibição dessas contrações, podendo estar restritos a um grupo de fibras musculares, envolver todo o músculo ou um grupo deles.

[11] Sudorese é um sintoma não-motor em que o Portador da DP sua mais que o normal ao praticar algum esforço físico continuado.


Companheira de Jornada - Parkinson
VI-  Tratamento de suporte
        
 Fiz algumas sessões de fonoaudiologia, e a voz melhorou substancialmente; passado algum tempo, porém, voltou a piorar. É necessário fazer exercícios todos os dias e, nesse sentido, sou relaxado. Não faço. Talvez a solução, para mim, seja fazer toda a sequência do método Lee Silverman, constituído por 16 sessões, três vezes por semana e, depois, fazer somente as sessões de manutenção.
Aprendi, também, com uma nutricionista a forma de combater a constipação intestinal e a importância da mastigação.
Quanto aos exercícios, são muito importantes, pois atuam sobre todos os outros sintomas.  Talvez devido à bradicinesia, os PDP (Portadores da Doença de Parkinson) não gostam de praticá-los. Uma solução que colhi, na opinião de um amigo, é contratar um “personal trainer”.
Fiz algumas sessões de fisioterapia, mas desisti. Parece que estou deixando piorar para, então, praticar. Só espero “não passar do ponto”.
Essas foram algumas atividades de suporte pelas quais passei.
De atividades de apoio, só fiz dança de salão e faço parte de um coral. Mas viajamos bastante, eu e Maria Laura.
* * *


[1] Denomino atividades de suporte  aquelas que complementam o atendimento médico como, por exemplo, a fisioterapia, a fonoaudiologia e muitas outras.

[2] Denomino atividades de apoio aquelas prazerosas, destinadas a relaxar, física e mentalmente.


Companheira de Jornada - Parkinson
VII-  Procedimentos
     
  Normalmente, o médico neurologista elege os procedimentos que serão enfatizados em cada fase da doença.
Esses procedimentos são providências que deverão ser adotadas para se contraporem aos novos sintomas ou um ajuste para os sintomas antigos.
Todavia essa responsabilidade deve ser partilhada. Compete ao portador e ao cuidador anotarem, cuidadosamente: o surgimento de novos sintomas; o aparecimento de flutuações motoras; o aumento e os horários das discinesias; e outros problemas relacionados ou não com a DP.
Essas anotações devem ser apresentadas ao médico neurologista para que ele faça uma avaliação e prescreva os medicamentos necessários e os procedimentos a adotar. 
Ao PDP compete o cumprimento desses procedimentos na frequência e na intensidade necessárias. Para desempenhar esse papel, o PDP e, se possível, seu cuidador devem conhecer bem a doença, pois só assim conseguirão bons resultados. O entendimento da DP e da “sua” DP é necessário para facilitar o diálogo com seu médico neurologista e com os parentes e amigos.
Por esse motivo, venho estudando a DP desde o meu diagnóstico. Inicialmente, buscava na internet, mas, com o passar do tempo, percebi que havia excesso de informações, as quais careciam, muitas vezes, de pertinência e confiabilidade. Passei, então, a consultar livros de especialistas renomados.
Um desses livros é “A Doença de Parkinson”, dos doutores  Teive e Menezes, o qual contém mais de quarenta capítulos escritos por especialistas na DP, cada qual discorrendo sobre um aspecto da doença.
Dessa forma, melhorei o diálogo com meu médico neurologista e com parentes e amigos. Esse conhecimento também foi útil para avaliar o estágio em que se encontra a doença, e os sintomas que aparecem e desaparecem.
Quanto aos procedimentos, eu os dividi em: superimportantes, que são aqueles que, se negligenciados, podem gerar lesões graves ou, até mesmo, a morte; em muito importantes, que são aqueles que, se negligenciados, pioram alguns ou todos os outros sintomas; e classifiquei os demais como importantes.
Os superimportantes são as quedas e os engasgos. Levei duas quedas: uma andando e outra correndo, ambas causadas por um estiramento de uma perna que classifiquei como um “movimento brusco”. Hoje,  corro num gramado próximo à minha casa. Assim, se cair, não me machuco.
Tive, também, um episódio de baixa pressão ortostática, levantando do chão. Fiquei tonto, mas passou. Agora, fico atento a novos episódios.
Evito subidas e descidas, quer sejam escadas ou escaladas. Nas escadas, uso sempre o corrimão e, quando tenho que passar ou escalar um obstáculo, procuro fazê-lo com cuidado, buscando pontos de apoio confiáveis.
Por falar em quedas, tenho tido alguns episódios de instabilidade postural, a maioria com forte tendência a cair. Procuro frear de imediato e tenho tido bons resultados. Até hoje, não caí. Tenho ficado nos ameaços. Às vezes, a tendência é cair de lado e tenho dificuldade de controlar esse movimento.
Quanto aos engasgos, também tive dois que ocorreram em situações distintas.  O primeiro ocorreu num restaurante onde almoçava com a família. Engasguei com um pedaço de carne e não conseguia respirar. Levantei e levei as mãos na garganta, o que constitui um indício de que está ocorrendo o engasgo. Por sorte, meu filho Cláudio estava presente e conhecia a Manobra de Heiliech que consiste em abraçar a pessoa por trás e pressionar seu diafragma. Com a pressão, o ar é expelido e leva junto o objeto do engasgo. Esse procedimento durou um ou dois minutos. Se a pessoa não desengasgar, a morte advém em quatro minutos. Os paramédicos que  foram acionados chegaram em nove minutos.
O segundo foi em casa, com um gomo de laranja. Estava sozinho e desengasguei aplicando a manobra em mim mesmo, pois já havia aprendido o procedimento. Aproveitando um balcão, fiz pressão e comprimi o diafragma.
A partir de então, passei a tratar com mais seriedade o assunto.
Recomendo que consultem a Manobra de Heiliech, na internet, pois esse procedimento pode salvar sua vida ou você pode salvar alguém.
Agora, gato escaldado, fico atento para evitar novos engasgos: corto os alimentos em pedaços pequenos; coloco na boca bocados de tamanho confortável; mastigo bem e vou engolindo aos poucos; esvazio a boca antes de colocar uma nova porção; procuro fazer minhas refeições em ambiente tranquilo; procuro não conversar enquanto como; e fico atento com o deglutir.
Falando em deglutir, quando tomo algum comprimido e sinto que ele ficou parado na garganta, tomo um gole d’água com a cabeça baixa, queixo quase encostado no peito, e cabeça ligeiramente virada para um lado. Após, repito o procedimento para o outro lado. É tiro e queda: no meu caso limpa mesmo a garganta. Mas, em uma conversa com uma fonoaudióloga, esclareceu-me que cada caso é  diferente. Não dá certo para todas as pessoas e só serve para coisas pequenas, como um comprimido.
Quanto aos procedimentos muito importantes são aqueles que, se negligenciados, pioram os outros sintomas. É o caso dos exercícios que melhoram, senão todas, a maioria dos sintomas da doença e, além disso, atuam, positivamente: no sistema cardiovascular; combatem a depressão; melhoram o sono; diminuem a constipação intestinal – enfim, são benéficos para todo o organismo. Em vista disso, voltei a praticar exercícios, mas com uma diferença – faço os exercícios que me agradam.
Há uma tendência para não praticarmos exercícios devido, principalmente, à bradicinesia e à rigidez, que causam desconforto. Os exercícios que estou fazendo são os recomendados por Charles Altas que, segundo consta, foi o homem mais forte de seu tempo. E um de meus objetivos é aumentar a força.


Companheira de Jornada - Parkinson
VIII-  Sintomas difusos

Alguns sintomas manifestaram-se de forma difusa, pouco clara. É o caso, por exemplo, das duas quedas cuja causa demorei para identificar e só consegui porque, numa ocasião em que estava deitado, tive uma “fibrilação” na perna esquerda. Foi um movimento rápido sobre o qual não tive nenhum controle e que classifico como “movimento brusco”. Se minha percepção for correta, tenho que tomar cuidado, principalmente, quando estiver realizando uma atividade de risco em potencial, como atravessar uma rua.
Outros sintomas desse tipo relacionam-se com a visão. Um deles refere-se a “ver” insetos onde eles não existem. Trata-se de um fenômeno que me é comum e que nada mais é que uma desfocagem momentânea, geralmente relacionada com manchas, pequenos objetos ou padronagem do piso. Basta focalizar a visão, e os “insetos” desaparecem. Essa desfocagem também já me ocorreu dirigindo à noite. Apareceram vultos à frente, difíceis de identificar. Devido a isso, não mais dirijo à noite.
Também há o caso de visão dupla.  Tenho a impressão de que, mantendo a duplicidade, a diplopia se instala, como se fora uma acomodação visual.


Companheira de Jornada - Parkinson
IX-  Sintomas não vivenciados

Até agora somente descrevi os sintomas que vivenciei na evolução da Doença de Parkinson. Falta descrever os sintomas que não vivenciei, seja por não aparecerem, seja por estarem mascarados pela medicação ou pelos efeitos da cirurgia.
Desses, os mais evidentes são:
- os distúrbios cognitivos, como as alucinações, e os ataques de pânico;
- a atetose, que consiste em movimentos lentos com posições retorcidas e alternantes, incidindo, geralmente, nos pés e nas mãos;
- a bradifrenia, que consiste em uma lentificação do pensamento;
- a cinesia paradoxal, em que o indivíduo realiza proezas físicas que, em condições normais, seria incapaz de realizar;
- a hiper-sexualidade, normalmente causada pela medicação;
- a síndrome das pernas inquietas, que consiste em formigamento e outras sensações desagradáveis nas pernas, o que leva à necessidade de caminhar um pouco;
- a síndrome da mão alienígena, em que um lado do corpo age como se fora independente;
- a palilalia, que consiste na repetição de palavras ou frases no decorrer da conversação; e
- a apraxia da abertura dos olhos – dificuldade para abrir os olhos.

Companheira de Jornada - Parkinson
X-  Adaptações
       
 Sempre tive prisão de ventre e já não tenho mais. Bastou seguir algumas orientações da nutricionista: fazer exercícios, de preferência corrida; tomar bastante água; e respeitar a vontade de ir ao banheiro.
O ato de “dormir” também mudou. Inicialmente, passei a dormir em camas separadas, pois estava apresentando “movimentos bruscos” e poderia machucar a Maria Laura. Depois, passamos a dormir em quartos separados, pois acordo várias vezes, durante a noite, vou ao banheiro e ando um pouco. O sono é muito importante para o organismo e o ideal é atingir o sono REM, o qual requer um dormir contínuo de cerca de três horas, o que não consigo. Mas me dou por satisfeito quando a soma dá mais de cinco horas.
Também já caí da cama: sonhei que fugia de alguém que atirava em mim e  me jogava em uma depressão do terreno. Acordei estatelado no chão. Em função disso, coloquei uma guarda removível de cada lado da cama.
Outra curiosidade: acordo, levanto e ando sem que apareçam os sintomas, sem tomar levodopa ou qualquer outra medicação antes de ir dormir. Como a urina permanece escura a noite toda, clareando no decorrer do dia (desde que não tome os medicamentos), creio que o resíduo desses medicamentos fazem efeito durante a noite, quando o metabolismo é baixo ou ainda tenho vesículas dopamionérgicas que estocam a dopamina metabolizada.
Como já não confio no meu senso critico, solicitei à Maria Laura e ao Sérgio que, a partir de então, fizessem as restrições necessárias. Combinamos que eu não mais dirigiria à noite, a não ser em emergência. Viajar sozinho ficou em aberto.
Outras restrições:
- a fala esta cada vez mai baixa e difícil de entender, principalmente ao telefone;
- já não como carne vermelha nem frango e como peixe uma vez por semana,  porque isso estava interferindo demais na absorção do levodopa;
- já tive episódios de depressão e não tenho mais;
- minhas articulações e músculos não estão em boas condições;
- tenho “face em máscara”, o que afeta a expressividade;
- já babei algumas vezes. Em certa ocasião, cochilei na antessala de uma clínica e, quando a recepcionista me acordou, eu estava meio caído de lado, babando;
- tenho incontinência urinária, agora, sob controle, mas passei por situações desagradáveis, quando esse sintoma se manifestou;
- tenho dermatite seborreica que controlo lavando a cabeça todos os dias e, quando necessário, o rosto duas a três vezes ao dia;
- já não sigo a regra dos 50 minutos antes ou duas horas depois das refeições para ingerir o levodopa, mas sigo, “gastronomicamente”, a regra de não ingerir proteína de origem animal. A carne vermelha e o frango foram eliminados e como peixe uma vez por semana;
- tive vários episódios de sudorese. Já não os tenho mais;
- também tive dois episódios com gritos – um dormindo e outro acordado. Nunca mais ocorreram; e
- tenho tido “brancos de memória”. Quando relativos à memória recente, volta rápido; quando relativos à memória longínqua, demora mais. Mas não peço ajuda: fico tentando lembrar e acabo conseguindo.
Às vezes, estou conversando e vem um “branco” - esqueço o que ia dizer. Isso se constitui em um problema em algumas circunstâncias, como nas entrevistas “ao vivo”.

Companheira de Jornada - Parkinson
XI-  Postura
       
      Aos poucos, fui chegando à conclusão de que é melhor fazer uma aliança com a DP do que brigar com ela. Afinal, a julgar pela situação atual, minha DP deverá me acompanhar pelo resto de meus dias. Ela é minha “Companheira de Jornada” e considero, também,  que seja o meu “Anjo da Guarda”, que sempre me protegeu muito bem, como fica claro em meu livro “O Rabo do Macaco e outra Histórias”. Na verdade, considero que meu “Anjo da Guarda”, minha “Companheira de Jornada”, minha intuição e meu inconsciente são uma só entidade.
No quaterno de Jung, eu sou um intuitivo/sensação, ou seja, meu forte é a intuição, e minha fraqueza é a sensação. Os complementares são o sentimento -  percebo bem as pessoas e as coisas, mas minha sensação é fraca e o pensamento não é meu forte, mas também não é meu ponto fraco.
Outro ensinamento que a Maria Laura me proporcionou foi o da “sombra”, que está presente toda vez que um determinado acontecimento nos incomoda mais que o esperado. A sombra é o lado sombrio de cada um, o qual tentamos empurrar para dentro do inconsciente, toda vez que ela aflora, o que só faz aumentar sua força. A única maneira de lidar com ela é identificando, numa situação de raiva ou contrariedade, quando se trata de uma manifestação da sombra. Uma vez reconhecida, geralmente é apaziguada.
Maria Laura também me ensinou a praticar a “inofensividade” que consiste em não pensar mal de ninguém. Como isso é muito difícil, adoto uma postura intermediária – não falar mal de ninguém. Esse artifício é muito bom para diminuir o estresse e medo. Sim, o medo. Toda vez que nos colocamos na defensiva, estamos com medo. Entretanto, a prática da inofensividade não significa aceitar tudo e qualquer coisa. Também é necessário estar preparado para defender nossos valores, nossa integridade. E, para exercer o poder também é importante estar em boa forma física, se bem que há muitos tipos de poder e nem todos requerem aptidão física. É como diz o ditado: “Ninguém é tão forte nem tão fraco como possa aparentar ser”. Em outras palavras, ninguém tem poder absoluto e ninguém é completamente destituído de poder.
Também faz parte de minha postura de vida procurar ajudar os outros, o que evita que eu fique autocentrado, o que é uma porta aberta para a depressão.
Ainda há os “fantasmas”, pensamentos negativos que aparecem durante a noite, antes de dormir ou ao acordar. Esse fenômeno é semelhante ao mecanismo do ciúme em que o ciumento “arredonda” os fatos para que esses indiquem o que ele quer (geralmente traição). Isso nos remete à definição de “paradigma”, de Peter Kunt: “paradigma é uma simplificação da realidade para que nós, seres humanos, possamos lidar com ela”. Ou seja, a realidade, em seu estado bruto, não é alcançável aos seres humanos. É necessário simplificá-la para compreendê-la. Um bom exemplo da simplificação da realidade são os dogmas religiosos ou ideológicos. “É assim e pronto”.

Companheira de Jornada - Parkinson
XII-  Conclusão
      
         Eis aí, em poucas palavras, minha vida com minha “Companheira de Jornada”.
Para quem está com mais de vinte anos de diagnosticado, eu estou muito bem, e a minha Companheira tem-me ensinado muito.
E, se estamos nessa vida para aprender, creio que vou passar de ano.
Dúvidas? Também as tenho.
Leve as suas ao seu médico neurologista.
E boa sorte para você também.

Cel. Patto